A solidão tem cor sim sinhô
Meu nome é Nilza, sou mulher, negra, de meia idade, solteira e aposentada. Minha história se confunde com muitas outras histórias de mulheres negras que experimentam a solidão afetiva e o celibato forçado como parceiros de vida. O afeto tem cor, e ele é branco. O amor é branco porque o homem, seja ele branco ou preto, busca a mulher branca para namorar, apresentá-la à sociedade, casar-se e perpetuar-se através de filhos brancos. No caso do homem negro, o que ele busca é clarear a sua ascendência. Certa vez, um cabeleireiro postou orgulhosamente na sua página do facebook, fotos de sua geração, desde sua descendência, começando por seus avós negros, em seguida seu pai (uma certa celebridade), casado com sua mãe branca, os quais tiveram filhos de pele mais clara, inclusive ele. Depois veio ele, que se casou com uma mulher caucasiana, gerando filhos, obviamente, mais claros ainda. Finalmente, vem a foto do seu neto, loiro de olhos claros. A frase de chama é: “A evolução da família 'X'".
Ironicamente, observa-se, talvez o maior índice de escolha da mulher branca como parceira entre os homens negros, acentuada numa classe de homens negros que ascenderam socialmente, sejam eles jogadores de futebol, cantores, artistas ou simplesmente empresários, mantendo, assim, a riqueza e o capital econômico nas mãos da elite branca, desde os tempos da escravidão. Até mesmo entre os homens negros que se dizem ativistas, notadamente os rappers, observo uma predileção pela esposa branca, de traços caucasianos, talvez numa busca do processo de embranquecimento dos seus descendentes. É interessante notar que os homens negros, enquanto pobres e desvalidos encontram em suas companheiras negras o apoio e o carinho necessários para obterem sucesso profissional, e quando isso ocorre, logo as abandona à própria sorte com seus filhos, para unir-se matrimonialmente a uma mulher branca e exibi-las como se fossem um prêmio ou um troféu, e nesse sentido também não deixam ser objetificadas.
A grande mídia corrobora o quadro de solidão da mulher negra ao retratar histórias de casais multirraciais, predominantemente formado por homem negro com mulher branca – é o escravo que se apaixona pela sinhazinha, enquanto a mulher negra é relegada ao papel de ressentida que promove armadilhas para separar o casal oprimido (contém ironia).
A pobreza também desempenha papel relevante nesse processo de solidão da mulher negra. Muitas, sem ter opção, assumem logo cedo a chefia de suas casas, seja porque foram abandonadas, seja porque, de fato, nunca tiveram um companheiro, apenas um reprodutor.
Há também um outro aspecto desse contexto, no qual mulheres negras maduras e bem-sucedidas, que se diga de passagem, é muito raro, resolvem não aceitar a exploração financeira e sexual em troca de um falso amor. Aí então é que a solidão aumento ainda mais.
Por ouro lado, o homem branco tem em seu imaginário a mulher negra como boa amante, dotada de atributos para satisfazê-lo plenamente em seus instintos. Contudo, a mantém em segredo, entre quatro paredes, enquanto apresenta sua parceira branca à sociedade.
Finalmente, assim como a pobreza, o analfabetismo e a taxa de homicídio, a solidão feminina também tem cor, e essa cor é preta, e todas estão no mesmo nível de exclusão social.
Em que pese toda essa trajetória de exclusão, mulheres negras visionárias, vitoriosas e guerreiras como Dandara, Ruth de Souza, Maria Carolina de Jesus, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Zezé Mota, Tereza de Benguela, Djamila Ribeiro, entre tantas outras heroínas nos enchem de muito orgulho e vaidade.
Este artigo foi escrito por Nilza Souza e publicado originalmente em Prensa.li.