SpinLaunch: jogando longe, muito longe
No final do século XIX, o visionário escritor francês e pioneiro da ficção científica, Júlio Verne, propôs em seu romance Da Terra à Lua ("De la Terre à la Lune", de 1865) um modo de enviar um foguete ao espaço: impelido por um gigantesco canhão.
A mesma ideia foi adotada por seu conterrâneo, o cineasta George Meliès, em Viagem à Lua ("Le Voyage Dans la Lune"). O filme, de 1902, recheado de efeitos especiais, é o primeiro do gênero ficção científica na história. Não por acaso, baseado no mesmo livro, com um pouco de outro romance de Verne, Ao Redor da Lua, publicado em 1870.
Quando as coisas saltaram da ficção para a realidade, nos anos 1950, a ideia do lançamento via canhão, proposta por Verne e Meliès não foi levada em consideração, para felicidade dos futuros tripulantes, preocupados com sua saúde física.
De lá para cá, a maneira de se mandar algo (ou alguém) para fora da Terra, usa sistemas autopropelidos. Mudam-se os combustíveis, coordenadas geográficas, mas sempre gastando fortunas em cada voo, dispendendo também de quantidades imensas de energia e recursos naturais, na sua grande maioria não renováveis.
Procurando novidades
Atualmente se estuda o uso de motores baseados em energia nuclear, ou por fusão nuclear, ou até mesmo o tão sonhado motor de dobra, já abordado aqui nas páginas da Prensa. Todos, porém, partem da ideia consagrada de auto-propulsão.
Mas alguns projetistas nos Estados Unidos criaram um sistema revolucionário, que pode ser considerado visionário ou insano; Diria que estão naquele perigoso limite entre os dois.
Trata-se do sistema SpinLaunch. Em vez de autopropulsão, que tal arremessar o foguete para fora do planeta?
Numa analogia, pense numa máquina de lavar. Você certamente já se pegou olhando para dentro dela quando a mesma gira loucamente no processo de centrifugação, e reparou que a força da rotação empurra as roupas para os cantos.
Lava, seca e arremessa
O SpinLaunch é mais ou menos um tambor de máquina de lavar, só que com 33 metros de altura. A própria empresa cita que tem o mesmo tamanho da Estátua da Liberdade, o que é bem considerável.
Mas neste caso, quem gira não é o tambor da máquina, e sim um imenso braço mecânico, ligado a motores elétricos super-potentes. Gira até incríveis 8 mil quilômetros por hora, quando então libera o projétil através de um cano de saída.
O foguete chega até a atmosfera, liga seus motores (convencionais) e parte rumo ao seu destino, fora da gravidade terrestre.
O foguete: motor ligado só fora da Terra | Imagem: SpinLaunch
Um plano infalível
Para quem prefere um paralelo bíblico, é um processo similar ao que Davi (antes de se tornar rei) usou para derrubar Golias, girando uma pedra e arremessando na cachola do pobre gigante. Se prefere um paralelo com histórias em quadrinhos, é o mesmo processo utilizado pela Mônica ao girar seu coelhinho e arremessar na cabeça do pobre Cebolinha.
A grande diferença no lançamento pela SpinLaunch é não ter um gigante ou um garoto com cinco fios de cabelo pela frente.
O benefício mais perceptível do sistema é o lançamento de satélites. Além de ser muitíssimo menos poluente devido aos motores elétricos, o custo de lançamento de uma carga pelo SpinLaunch vai girar em torno de 500 mil dólares ou provavelmente menos. Enquanto o Falcon Heavy custa uma média de 50 milhões de dólares por lançamento.
Muita velocidade, sem atrito
A ciência envolvida no processo do SpinLaunch (cujo protótipo está em operação desde outubro de 2021, e é fantástico), apesar de baseada num conceito simples, tem cálculos de precisão, literalmente astronômica.
A partir do instante em que o foguete, já carregado com o satélite, é fixado ao braço, todo o ar dentro do imenso tambor é evacuado. Tudo mesmo, para que o sistema rode no vácuo, sem nenhuma resistência. Isso implica numa necessidade de energia cinética muito menor para o lançamento. Mônica certamente apreciaria a possibilidade de arremessar o encardido nessas condições.
A equipe, logo após o primeiro lançamento | Imagem: SpinLaunch
O próprio cano de escape, ou a chaminé de lançamento, nomeie como quiser, é vedada por uma enorme “tampa” para evitar a entrada do ar na câmara. Ao atingir a velocidade de arremesso, o braço apenas dá um gentil “empurrão” no foguete, jogando-o direto no cano.
Ao sair, a “tampa” (que parece uma enorme folha de papel vegetal) se rompe, liberando o projétil rumo aos céus. Rodopiando, o foguete leva menos de um minuto para chegar à atmosfera e ligar seus motores, para terminar o trabalho.
O céu não é o limite
O SpinLaunch busca financiamento para a construção de seu principal lançador, planejado para inaugurar em 2025. Desta vez, o “tambor da máquina de lavar” terá cerca de 100 metros de altura, e não será posicionado na vertical, mas sim num ângulo de 45 graus. E os foguetes serão do tamanho de um automóvel de médio porte.
O lançador previsto para 2025: cargas maiores | Reprodução: SpinLaunch
Nesta nova super-estrutura, que já tem contratos com a NASA e o Pentágono, serão possíveis cerca de 10 a 15 lançamentos diários, um satélite por vez. Tudo bem, nos lançamentos da Starlink, o Falcon Heavy leva até sessenta deles numa única vez. Por 50 milhões de dólares. Mandando pelo SpinLaunch, a conta fecha com uma economia de 20 milhões. Nesse caso, a paciência passa mesmo a ser uma virtude.
Ao menos por enquanto, o SpinLaunch é planejado apenas para arremessar cargas leves – até 200 quilos. Não se pensa ainda em cargas maiores e muito menos foguetes ou naves tripuladas. Ainda não se analisou com muita propriedade o efeito deste tipo de lançamento no corpo humano, e nem é essa a intenção. Mas é um tremendo passo em busca de alternativas eficazes, baratas e ecologicamente corretas para projetos do dia a dia.
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.