Suburbana e Pandemia
Ninguém imaginaria que aquele gol do meia Bitoca, aos 47 do segundo tempo sobre o Iguaçu, dando o inédito título da Suburbana ao Operário Pilarzinho naquele 14 de dezembro de 2019, que hoje parece longínquo, seria o último antes de um longo jejum.
Nenhuma das pessoas que lotavam o Estádio Egydio Ricardo Pietrobelli, entre atletas, dirigentes, torcedores e imprensa, sequer desconfiava que o mundo mudaria pouco tempo depois. Pouco mais de 15 dias depois, era descoberto o Coronavírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, que vinha causando um surto na China. Não se imaginava que viraria algo mundial.
Mesmo assim, nos primeiros meses que seguiram, os preparativos para a temporada 2020, que acabou vindo por não ser realizada, continuaram. Clubes montavam seus elencos e a Taça Paraná (um campeonato estadual de amadores disputado entre campeões das duas divisões da Capital e os campeões de Ligas de outras cidades) já estava calendarizada, assim como a Copa de Futebol Amador da Capital (a Copinha, torneio reunindo clubes da cidade para se movimentarem no primeiro semestre). A tradicional Suburbana, com duas divisões, seria prato do segundo semestre.
O início era previsto para abril quando, em março, decretou-se no Brasil emergência sanitária. Naquele momento, até o futebol profissional parou. Quando voltou, usou protocolos de testagem que nem sempre evitaram surtos de Covid-19 em elencos, como ocorreu com o Goiás, no retorno do futebol brasileiro em 2020, ou mesmo com o River Plate agora em 2021.
Já no futebol amador, enquanto não houver vacinação em massa ou mesmo um período de controle de transmissões efetivo, de modo que o nível de infecções caia e volte a ser possível aglomerar-se em segurança, é praticamente impossível o retorno às competições federadas. O principal motivo é que atletas e membros das comissões técnicas possuem empregos fora do futebol, alguns inclusive em funções de risco, como policiais, bombeiros, professores, trabalhadores da saúde, comércio, motoristas, entregadores e etc.
Do mesmo modo, há praças esportivas em que é impossível controlar o acesso de pessoas, ou a estrutura de controle que demandaria é proibitiva para a maioria das agremiações.
Assim, em 2020, pela primeira vez desde o ano de 1941, quando teve sua primeira edição com o hoje extinto Belmonte sendo campeão, a Suburbana não foi disputada. O ano de 2021 segue em aberto e incerto sem sinal da pandemia arrefecer.
Planos adiados, recursos represados
União Ahu (de amarelo) enfrentando o Nacional fora de casa pela Copinha de 2017: clube da Zona Norte sofreu adiamentos de investimentos de parceiros com a pandemia. (Leonardo Bonassoli / Futebol Metrópole)
Sem a bola rolar, muitos recursos que seriam recebidos como patrocínio, que viabilizariam o funcionamento do clube durante a temporada, foram abortados. Foi o que aconteceu por exemplo com o União Ahu, tradicional equipe da Zona Norte que atualmente disputa a Série B (são duas divisões).
“Afetou todo planejamento não só nosso, mas de todas as equipes. Tínhamos um acerto com jogadores e até com alguns investidores, que por sua vez preferiram dar continuidade da parceria somente com acontecimento dos jogos, coisa que a pandemia impossibilitou”, revelou Jeferson Guedes, o Toco, treinador da equipe.
Outra perda causada pela inesperada e prolongada parada foi do ponto de vista técnico. É algo que pôde ser quantificado pelo Olímpico, equipe do bairro do Xaxim, Zona Sul, que também disputa a Série B e vinha com planos ambiciosos para 2020.
“Tínhamos nossos objetivos bem claros, um deles era o tão sonhado acesso. E agora teremos que começar, praticamente do zero. Para nós, a perda é imensa. Estávamos com a equipe madura, pronta para brigar pelo acesso. Dois anos parados é demais. Não sabemos como será o retorno”, contou Neri Santos, treinador da equipe alviverde.
Olímpico, de branco, enfrenta o Bangu pela Copinha de 2019: equipe do Xaxim tinha planos ambiciosos de brigar pelo acesso em 2020. (Leonardo Bonassoli / Futebol Metrópole)
Entre manter e expandir
A maioria dos clubes possui suas praças de esporte. Sem a receita de público, principalmente com a movimentação dos bares e lanchonetes dos espaços, tornou-se um grande desafio manter tudo nos trinques para quando a bola poder voltar a rolar ou mesmo nos períodos em que as restrições de treinos são diminuídas pelos protocolos das autoridades.
Alguns clubes conseguiram ampliar suas estruturas, muito graças a planos e recursos que já estavam reservados antes da pandemia e que não foram abortados com a emergência sanitária.
O Operário Pilarzinho, atual campeão, recuperou seu gramado depois de ter consertado a irrigação em 2019.
O Santa Quitéria, equipe costumeiramente nas primeiras posições da Série A, continuou a remodelação de seu estádio iniciada com a troca do gramado em 2019, corrigindo um incrível desnivelamento de metros entre um lado e outro da cancha.
O Tanguá, recém-promovido, cujo estádio fica no município de Almirante Tamandaré, fez uma completa reforma e anunciou também uma parceria para treinamento de categorias de base.
O Vila Sandra, emergente na Série A, segue fazendo suas melhorias no mítico Corredor da CIC iniciadas nos últimos anos.
O Shabureya, um dos caçulas da Série B, e que apresentou notável evolução técnica em 2019, tem agora seu próprio local de jogo no Sítio Cercado, extremo sul da cidade.
Mas essas são honrosas e felizes exceções. Para a maioria dos clubes, as medidas pandêmicas são de conter danos e de honrar compromissos já firmados, como é o caso do União Ahu.
“A maior perda com certeza foi no caixa do clube, pois as contas não pararam de chegar. Temos de arcar com luz, água e esgoto principalmente, fora os gastos com a manutenção periódica que qualquer clube necessita. E mesmo com esse tempo parado, sempre mantemos contato com os atletas e nossos diretores”, explicou Guedes.
Agora resta ao aficionado pela Suburbana de Curitiba torcer muito, mas torcer pela vacinação, para que as medidas restritivas a ser adotadas resolvam, para que depois de toda essa travessia o futebol amador volte com tudo. E que dias de festa como aquela decisão de 2019 não seja apenas uma foto na memória.
Este artigo foi escrito por Leonardo Bonassoli e publicado originalmente em Prensa.li.