A tecnologia na vida de uma menina pobre
Eu sempre fui uma pessoa curiosa. Sempre quis saber o porquê das coisas. O meu amor pelo conhecimento tem me acompanhado desde as primeiras lembranças que tenho sobre mim. A primeira fonte de informação que despertou o meu interesse foram os livros didáticos do meu irmão. Ainda criança, eu os exigia, queria saber o que escondiam. Eu berrava por eles.
Não me davam muita bola, achavam que eu os destruiria. Que nada! Aquilo era como um tesouro pra mim. Foi assim que começou o meu apego por livros, palavras e boas histórias. Uma fome que me persegue até os dias de hoje. Uma fome que tem passado por tantas transformações quanto às tecnologias que eu conheço.
O princípio das tecnologias na minha vida
Da minha infância à meados da adolescência eu não soube o que era ter nenhum aparelho eletrônico na minha casa. Como? Dinheiro não tínhamos. Até mesmo a energia elétrica eu passei anos sem ter em casa; no sertão não tinha e quando mudamos para uma casa caindo aos pedaços na cidade, também não conseguimos colocar (levou anos para termos condição de montar um padrão de energia e mandar instalar a fiação dentro de casa).
O aparelho eletrônico mais popular naquele tempo era a televisão. Mas nem a religião de meus pais e as condições financeiras permitiam ter uma e nem a falta de energia elétrica. Se os livros já eram fascinantes com suas palavras que me permitiam conhecer o mundo, imagina o que representou a televisão na minha vida!
Eu não só ouvia as palavras, as histórias, quanto também podia vê-las! Pessoas, objetos e efeitos que eu nem sonhava que podiam existir. Para a minha consternação, o meu contato com a televisão nesse tempo foi sempre marcado pela frustração de querer ver mais e não poder. O único lugar em que meu pai e eu podíamos ver TV era na casa da minha avó paterna e ela não gostava que nós assistíssemos quando ela não estava assistindo: “A televisão tá quente, vou desligar”; “Ah é jogo (de futebol)! Não gosto, vou desligar”; “É filme, não vou assistir”.
Eu era a companheirinha do meu pai e foi graças a isso que eu pude pelo menos ver a cor de uma televisão e assistir esporadicamente quando íamos à casa de minha avó e a televisão já estava ligada. Ali eu comecei a beber de uma outra fonte de informação (ou não) e a conhecer realidades distantes das minhas. Eu fui ter uma televisão com 23 anos de idade. Eu realizei o sonho de acompanhar uma Olimpíadas na íntegra, na televisão, agora em 2021.
Não ter aparelhos eletrônicos ou sequer iluminação elétrica (por um tempo considerável) nunca me impediu de procurar o que tinha no mundo além do que eu vivia na minha casa. Eu lia muito! Muito mais do que eu leio hoje. Como minha mãe gostava de falar “eu estragava as vistas” lendo à luz de velas e lamparinas noite adentro. Esse hábito de ler tudo foi o que me possibilitou aprender, praticamente sozinha, a lidar com as novidades tecnológicas que eu fui conhecendo.
O mundo dos computadores e da internet
Por causa de minhas leituras, quando eu vi um computador pela primeira vez, eu já sabia que era assim que ele se chamava e tinha a ideia que a maioria das pessoas tem de que por ele é possível resolver tudo. Eu estava no começo da puberdade.
Esse dito computador era de um líder religioso idoso da igreja dos meus pais. Ele tinha o computador dentro de sua biblioteca particular e vivia jogando “Paciência”. Foi ele que me ensinou a função do mouse, teclado, disquete e a jogar um jogo eletrônico pela primeira vez: os clássicos Paciência e Campo Minado (Windows Minesweeper). Eu sabia que tinha mais a tirar daquela máquina, eu queria mais.
Infelizmente ele disse que pra isso eu precisava de internet. Naquele tempo eu não entendi porque ele simplesmente não colocava a tal internet. Na verdade eu nem consegui entender muito bem o que era internet (mas eu queria conhecer).
O segundo contato marcante que tive com um computador (dessa vez com internet) foi em uma lan house que abriu na minha cidade. Ali eu me achei. Por erro/tentativa, pelo que eu lia e pelo que perguntava aos outros, eu fui me inserindo no meio digital. Foi ali que eu aprendi a maior parte do que eu sei hoje sobre informática no geral. Eu gastava cada centavo que o meu pai me dava, eu ia pelo menos uma vez por semana. Tinha um mundo novo a ser desvendado e só era possível por ali.
Eu aprendi informática assim. “Malinando”, observando, lendo e perguntando às pessoas. Ah! Tudo o que é novo possui um manual e eu leio. Esse tipo de coisa foi me ensinando que objetos parecidos têm um padrão de funcionamento. A partir do básico, você aprende a mexer com qualquer outra coisa que vier pela frente. O meu processo de aprender qualquer coisa é começando pelas suas histórias ou conceitos mais básicos.
Eu ganhei meu primeiro computador (notebook) por volta de 2013. Minha irmã me deu quando eu comecei a fazer faculdade. Moço! Vocês não imaginam a felicidade que foi! Eu tenho meu lerdinho até hoje. Eu não tinha internet, cheguei a tentar usar a internet pré-paga via modem (raiva), mas nos dias bons mal dava pra abrir o Google Notícias.
Ainda assim, eu descobri maravilhada que mesmo um computador sem internet continha um mundo de possibilidades. Tanto referente à fontes de conhecimento quanto à fontes de diversão. Finalmente eu pude digitar meus livros manuscritos, podia ouvir músicas e assistir vídeos (eu fazia download na lan house, armazenava no pendrive e carregava no notebook). Ele tinha maravilhosos duzentos e poucos gigabytes de armazenamento e eu os ocupei quase totalmente com vídeos, músicas, filmes e PDFs (ele me puniu por isso com lentidão infinita).
Quem nunca precisou interromper um programa ou filme porque o dono do aparelho não quer mais assistir, não sabe qual é a sensação de você assistir algo sabendo que ninguém vai te obrigar a parar de assistir.
Dava pra fazer muita coisa naquele notebook “poderoso”. Eu editava vídeos para faculdade, fazia minhas apresentações de slides, aprendia cada vez mais a operacioná-lo, lia as pesquisas que baixava na lan house e tive a audácia de ainda instalar no computador (que nem conseguia abrir uma página com internet sem travar) o jogo Need for Speed ( Underground) e uma versão corrompida de GTA Vice City (nem tinha todas as missões). Não sei como ele simplesmente nunca pegou fogo, mas valeu à pena.
A tecnologia na minha vida nunca foi algo que eu tive acesso sem dificuldades. Mas mesmo em suas versões mais limitadas, me permitiu ir além do que eu achei que iria, aprendi coisas que não fazem parte do ambiente em que cresci, são tantas as histórias que eu já vi, vivi e fiz por meio do acesso a diferentes tecnologias! Se antes eu tinha que esperar uma semana para poder saber mais sobre um assunto de meu interesse (que não tinha nos livros que eu possuía), hoje em poucos segundos eu descubro e isso me permite escrever (acadêmica ou literariamente) com muito mais rapidez do que antes.
Além disso, toda essa dificuldade, me fez apreciar de tal modo o acesso a um computador ou a internet que eu tenho tentado devolver parte do que aprendi para quem sabe ainda menos que eu. Quando minha mãe tem qualquer problema em seu celular ou televisão, não me importo de passar um tempão no telefone lhe explicando e tentando resolver o problema da forma mais detalhada possível. Ela também precisa conhecer! Ela também pode aprender!
Hoje eu valorizo todos esses passos que dei rumo às tecnologias. Hoje eu já tenho um computador que é ótimo para trabalhar e estudar (nem tanto para League Of Legends kkk), minha internet é ótima, mas ainda tem muitas coisas que eu quero experimentar e aprender sobre esse universo tecnológico. Hoje eu sei também que embora esse mundo possa ter tantas fontes de conhecimento que eu nunca nem vou poder conhecer, ainda assim não tem tudo o que eu preciso.
Imagem de capa - Fotomontagem de uma menina usando um notebook, perto de uma TV antiga e de livros, via CANVA
Este artigo foi escrito por Fernanda Brito e publicado originalmente em Prensa.li.