A tela, o fim, a vida
Um tijolo preto intimidador? Bota na conta de Stanley Kubrick. Com o monolito negro de “2001: uma odisseia no espaço” foi inaugurada a tradição de superfícies retangulares preenchidas pela cor escura que, uma vez surgindo em nosso caminho, não somos mais os mesmos.
A aclamada série “Black Mirror” resolveu sublinhar o lado negativo das tecnologias com uma referência às telas, já onipresentes pré-pandemia e distanciamento social. Exatamente quando desligadas ou pifadas, só nos resta contemplar nosso reflexo e navegar pela brincadeira do título da produção inglesa.
A tela, como vitrine e porta de entrada para habitats sem os quais já não nos imaginamos viver, nos aterroriza quando emula o monolito de Kubrick. Diferente do filme, quando vemos uma tela preta não somos potencializados à evolução. Simplesmente não sabemos o que fazer sem aquele smart que há pouco funcionava e agora, não mais.
No caso de smartphones, nosso celular velho de guerra para quase todas as batalhas diárias, o drama é abismo. Mensagens enviadas, bloqueio da tela, um gole no café e, na busca de novas mensagens… tela preta. Nenhum sinal de vida, nem via “desfibriladores” como a reinicialização forçada.
É desespero para quem, mesmo a contragosto, convergiu necessidades, serviços, entretenimento - e a portabilidade de tudo isso - naquela plataforma. A vida em gigabytes que cabem no bolso. Processadores mais poderosos que o computador que levou o homem à lua. Porém, quando menos vívidos que múmias do Egito, não nos levam nem à esquina.
Requintes de Lei de Murphy associados sublinham em três linhas o que o celular se tornou pra nós: a casa é no interior, não há telefone fixo, tampouco sinal de operadoras. A fibra ótica salva da vida selvagem, contudo pra que internet sem o aparelho? O sentimento é o de um navegador sem caravelas diante do oceano. Sentado à beira do cais, pode apenas molhar a ponta dos dedos do pé, desapontado.
Olho para a tela preta como os macacos de “2001”: sem saber o que fazer com aquilo que se apresenta diante de mim. No entanto com a consciência do homo sapiens 2021, sentindo na boca o gostinho de ter voltado à pré-história. Um chimpanzé põe o braço sobre o meu ombro, procura me consolar. “Somos muito parecidos, bro”.
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Este artigo foi escrito por Marcos André Lessa e publicado originalmente em Prensa.li.