The Batman: pecinha por pecinha
(Divulgação | Warner Bros.)
Primeiramente, gostaria de pedir desculpas aos leitores da Prensa pelo hiato de textos. Mudamos de casa, de cidade, de Estado, e demorou um pouquinho pra ajustar as coisas. Mas seguimos escrevendo!
Depois de mais de dois anos sem entrar em uma sala de cinema, devido a pandemia, e municiada com três doses de vacina (o que não me impediu de contrair Covid, graças à Deus e à Ciência, em forma leve), resolvi sair da caverna e assistir The Batman.
Sábado à noite, enfiei o Marido no carro e fomos até o único shopping da cidade, acompanhar a nova aventura do morcego.
Destaco que sou fã do personagem. Na adolescência, minhas amigas liam Carícia, li O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller. Mas ressalto que o Marido é mais fã que eu. Ele gostou de Batman vs. Superman. Ele quase achou Batman & Robin (aquele com o Clooney) um filme legal.
Esse entusiasmo me preocupava. Ele só tinha reservas quanto à escalação do Pattinson. E tenho de concordar. O cara já foi um morcego que brilhava no sol.
Enfim, de máscaras e sem pipoca, assistimos a The Batman. E nossa opinião foi unânime: que filme, senhoras e senhores! O segundo melhor filme do personagem feito até hoje.
Espera… segundo? Como assim?
Quem estaria na frente? O de 1989? O de 1966, com repelente de tubarão? A trilogia do Nolan?
Calma que eu chego lá.
Não é um filme de super heróis
The Batman foi uma grata surpresa. Uma bruta surpresa. Finalmente, um filme nos entregou o Batman detetive dos quadrinhos. Finalmente, porque vislumbrei um tequinho desse Batman em pequenas amostras em cenas solo de Batman vs. Superman (ai!) e na Liga da Justiça (ui!). Ok, ninguém é perfeito. Botava fé no Ben Affleck. E farei questão de assistir The Flash.
Voltando: o Batman de Pattinson tem muito do que li nas HQs Ano Um (do mesmo Frank Miller, com David Mazzuchelli) e Ano Dois (de Mike W. Barr e Alan Davis), além do extenso material criado pelo mestre Neal Adams nos anos 1980.
“Eu sou a vingança” | Divulgação: Warner Bros.
Ele ainda não é o investigador infalível. Comete muitos erros desnecessários. E é muito mais humano, muito mais real, muito mais pé no chão. Se você considerar um justiceiro vestido de morcego algo plausível, claro.
De quebra, o filme apresenta o Batmóvel mais simples e mais assustador da história. Um que você poderia ter sem problemas na sua garagem, caso tivesse alguns milhões de dólares na conta. É um típico muscle car. Muito diferente dos carros estilosos das versões anteriores, ou mesmo dos quase tanques de guerra da trilogia de Nolan e dos filmes de Snyder.
Pode ser que daqui pra frente você tome algum spoiler de graça, mas The Batman é um filme policial noir, daqueles de caçada humana, cuja maior diferença é contar com um sujeito encapuzado no papel principal. Aliás, presta diversas homenagens a vários filmes clássicos: tem um pouco de Chinatown, Taxi Driver, Operação França e até O Poderoso Chefão.
Mais homem, menos morcego
Não me recordo de nenhum filme de super herói, sobretudo nos filmes do Batman, interpretações tão “gente como a gente'', como nesse aqui. Esqueça o Pinguim de Danny De Vito em Batman, o Retorno (1992). Aqui ele é um mafioso padrão, com um rebolado engraçado.
Esqueça urgentemente o Charada vivido por Jim Carrey em Batman & Robin. O Charada daqui mete medo. E não faça paralelos com as versões da Mulher Gato de Michelle Pfeiffer ou de Anne Hathaway.
A felina aqui, interpretada por Zoë Kravitz, é a transposição quase literal da Selina Kyle de Batman Ano Um. Perigosa, sexy, mas sem ser fofinha como as outras. Aqui é sangue nos olhos, apesar de arrastar uma tigelinha de leite pelo morcegão.
Com uma personalidade bem mais perturbada que em outras versões, este Batman poderia/deveria ser trancafiado no Arkham. Muito mais vida louca que em outros filmes, não hesita arriscar mais que o necessário.
Assim como nossa querida Mulher Gato, Batman está no início de carreira, e a inexperiência traz consigo uma boa dose de imprudência. O Batman de Pattinson toma decisões que o de Affleck jamais tomaria.
O que esse filme faz de melhor que os outros é explorar a personalidade do herói (que praticamente é um anti-herói). Batman sofre para entender quem é de verdade, e seu papel na sociedade doentia de Gotham. Inclusive para descobrir que sua luta provavelmente será em vão.
Música de arrepiar
A sombria trilha sonora, sem dúvida uma das melhores já criadas para o personagem, foi composta por Michael Giacchino (o mesmo dos filmes Star Trek, Lost, Os Incríveis, Rogue One, entre muitos outros). Contém uma belíssima citação ao tema do filme de 1989, o mesmo que foi ouvido no longa de 1992, na Série Animada e também na Liga da Justiça de 2017.
As notas do tema composto por Danny Elfman surgem arrebatadoras nos momentos mais marcantes. Sério, rolou uma lágrima emocionada desta velhinha nostálgica aqui.
O que mais dizer? O Comissário Gordon é uma surpresa, só encontrando paralelo na interpretação marcante de Gary Oldman, da trilogia de Nolan. Sem dúvida já temos indícios de que o Coringa dará as caras numa próxima história. Não é o caso, mas o Coringa de Joaquin Phoenix faria um filme memorável com o Batman de Pattinson. Ambos estão na mesma frequência.
O melhor de todos
E já que falamos do Coringa (mas não falamos do Bruno), lembrei do filme que para mim traz a perfeita exploração da psiquê do morcego e do Palhaço do Crime. E com Zoë Kravitz interpretando a Mulher Gato. Adivinhou?
“Eu tenho tanquinho. Com nove gominhos” | Divulgação: Warner Bros.
Exato: The Lego Batman Movie. Antes que ache que enlouqueci e ligue para chamar uma ambulância do Arkham, explico: apesar de todo o tom de sátira desta excelente animação com os bonequinhos de Lego (aquele cujas pecinhas você pisa e sente a dor de toda a humanidade), nenhum filme mostrou tão bem a necessidade de Bruce Wayne vestir o manto do morcego, para se esconder de si. Fugir dos problemas que o assombram. Coisa bem evidenciada em The Batman.
A animação ri de toda a autossuficiência do personagem, dos exageros, e da imensa egolatria que cultiva. Batman é hermeticamente fechado em sua casca, ou se preferir, em sua armadura de Kevlar.
The Lego Batman Movie ainda explora, de maneira simples, mas absolutamente profunda, a dificuldade do personagem em se relacionar. Toda a aversão e principalmente o medo em ter uma família novamente, em estabelecer quaisquer laços de afetividade.
Quem criou quem?
Quer mais? A versão bonequinho do Batman, interpretada por Will Ferrell, demonstra melhor que qualquer outra a relação de dependência do herói com o Coringa (vivido por Zach Galifianakis), seu adversário maior. Isso foi trazido também em alguns quadrinhos, e também em um dos melhores diálogos do filme de 1989, numa performance alucinante de Jack Nicholson. Em The Lego Batman Movie, essa simbiose é o clímax do filme. Juntos conseguem unir, literalmente, uma Gotham à beira do colapso.
Esse filme ainda vale muito pelas dezenas de referências à toda a história e versões dos personagens. Acredite, até o Rei dos Condimentos dá as caras ali. A animação conta com algumas participações especialíssimas, que só poderiam estar nesse filme.
Afinal, seria muito improvável ver o Batman de Pattinson enfrentar Sauron, Lord Voldemort ou Daleks, de Doctor Who.
Concluindo, posso dizer que os dois filmes são ótimos. Assistam!
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.