The Handmaid's Tale 4ª temporada: Cansei de sofrer. Que bom que a June também.
Gente, que sofrimento! Pronto, resumi a temporada inteira em três palavras e dois sinais de pontuação para quem tem pressa e não gosta de ficar debatendo sobre momentos importantes das séries que assiste, pros que ficam, resta o aviso de que haverão spoilers moderados daqui pra frente.
Presente no Globoplay (apenas até a 3ª temporada) e com os últimos episódios disponíveis em terras brasilis poucos dias após sua estreia no Hulu (existente apenas nos Estados Unidos); graças ao serviço de streaming Paramount + podemos, enfim, trocar a agonia de não saber o que aconteceu com June Osborne após tomar um tiro no final da temporada anterior, pela agonia de sofrer as mais diversas formas de tortura através dos olhos extremamente expressivos de Elizabeth Moss.
Pagando 19,90 mensais em seu aplicativo próprio ou nas plataformas Apple TV e Amazon Prime Video, tivemos o prazer (e o desprazer) de acompanhar semanalmente os dez episódios dessa temporada do Conto da Aia que começou no meio do mato com gente perdendo sangue e meio que terminou no meio do mato com gente perdendo sangue.
Antes de exaltar determinados momentos, preciso admitir que acho que a série deu umas boas enroladas na terceira temporada e que dava pra ter feito a temporada atual com metade dos episódios, preferencialmente a metade final. Até pensei em abandonar a série, mas a curiosidade de saber os desfecho foi maior.
June foragida, June presa e torturada, June foragida, June se tortura dentro de um vagão de leite, June bombardeada. Após incontáveis cenas feitas para fazer o público se sentir péssimo, com belos enquadramentos de diferentes formas de se fazer um ser humano sofrer, até que o ápice é atingindo metafórica e literalmente como uma bomba, uma bomba que faz a série subitamente “lembrar” que tem algo a contar e deixa os episódios focados em barrigas narrativas e castigos de todo tipo para trás.
Canadá, terra da liberdade e das oportunidades, glorioso Canadá onde June reencontra amigas, sua segunda filha – a qual ama muito, mas suspeito que já se arrependeu de ter chamado de Nichole – e o marido Luke, que enquanto civil e refugiado fez o pouco que podia para encontrar sua esposa e Hannah, a filha do casal. É chegando ao país que a história pode começar, progredindo para outro cenário, com outras regras.
Se a série fosse O Conto do Criado Caseiro, o protagonista provavelmente daria jeito de conseguir um tanque de guerra e voltaria pra Gilead passando por cima de tudo até resgatar sua filha e levá-la em segurança para seu novo lar. Felizmente o conto é sobre uma aia, agora ex-aia, que inicia sua vida no Canadá buscando todas as formas legais de reaver sua primogênita. June não para um dia que seja, sair da nação teocrática só lhe deu ainda mais vontade de lutar contra o governo dos comandantes.
Como diriam aquelas previsões fajutas de horóscopo... No amor, June se encontra em um momento de grande indecisão devido a Júpiter estar indo para a casa cinco e June não sabe se continua com Luke mesmo depois de ter mudado tanto pelos traumas. Também ocupa espaço em sua mente Nick, que deu um jeitinho de vê-la três vezes ao longo da temporada apenas para deixar claro que faria tudo por ela e que o fogo entre os dois ainda está lá. Não vou considerar a possibilidade poliamoristica nessa série porque acho que eles já têm coisas demais para resolver sem abordar as possibilidades afetivas dos personagens além do que hoje é tido como “““normal”””.
A melhor parte dessa temporada (sem responder que é a segunda metade ou que é a atuação excelente de todo o elenco) é justamente a temática de confronto. June, obviamente, quer lutar contra Gilead; os Waterford lutam contra a justiça canadense pela própria anistia, um contra o outro em determinados momentos e até contra Gilead por não ter prestado apoio após as prisões; Moira enfrenta o risco de perder sua amada em nome da amizade; os membros da ONG se confrontam quanto a ajudar June ou continuar com sua missão humanitária; Luke não diz nada, mas está claramente estranhando June após tudo o que passaram e até o agente Tuello está dividido entre fazer o que é moralmente certo e cumprir com o seu dever como representante dos Estados Unidos (todos os dois estados que sobraram, pelo menos). São esses conflitos que mantém a série interessante apesar do desgaste de seguir sem ter a história do livro para servir de guia a cada episódio e são esses conflitos que prendem a nossa atenção sobre quem vai conseguir o que quer.
É um soco no estômago a cena onde pessoas aparecem com cartazes para ovacionar Serena e Fred, ignorando todo o mal que fizeram e tietando os dois como se fossem um casal modelo a ser seguido. Dói ver isso, suspeito que a dor seja particularmente mais forte em brasileiros, norte-americanos, húngaros e pessoas nativas de alguns outros países que viram sua democracia ruir nos últimos anos frente à figuras extremistas. Mas isso é a base de toda a série, ser uma distopia que usa apenas exemplos de coisas que realmente aconteceram e acontecem no mundo.
Se vale um aviso pra qualquer pessoa que ainda não começou a temporada ou mesmo a série: esteja em dia com seus antidepressivos. Sejam eles tarjados, vendidos em caixas de bombons ou peludos de quatro patas, porque é preciso ter força e apoio para digerir tudo o que The Handmaid’s Tale nos faz pensar, especialmente quando sua realidade distópica nem parece tão distante assim.
Imagem da capa - Divulgação
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.