The Last Kingdom - Análise resumo
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Apesar de não ter totalmente o devido reconhecimento, The Last Kingdom já produziu e estreou quatro temporadas. A mais recente ficou disponível no final de abril, e é sobre ela que vamos falar. Inspirada no livro Crónicas Saxónicas, de Bernard Cornwell, a série estreou-se em 2015, na BBC. A Netflix interveio na produção da segunda temporada e, a partir da terceira, tomou as rédeas do projeto. Podemos encontrar todos os 36 episódios na plataforma.
The Last Kingdom explora a época em que os reinados de Inglaterra foram conquistados por vikings. O Último Reino — e o único dos sete que resiste — é Wessex, situado no sul do país. O protagonista Uhtred Ragnarson (Alexander Dreymon) é filho de nobres, mas foram os vikings quem o criaram. Luta, garra, sangue, dor, guerra e promessas não faltam nesta série frequentemente comparada a Vikings ou até a Game of Thrones. Os dez episódios da quarta temporada estão recheados disso mesmo.
A desvinculação de Bebbanburg
Desde a primeira temporada que sabemos que o destino de Uhtred é Bebbanburg, fortaleza da qual é herdeiro legítimo. Depois das atrocidades cometidas pelo seu tio, Aelfric (Joseph Millson), que se apoderou desta herança, Uhtred sempre jurou um dia retomar aquilo que é seu por direito.
Era um final digno para a série ter a personagem principal a regressar às suas origens, finalmente assentando onde pertence e saindo vitoriosa. No entanto, acabamos por receber notícias de Bebbanburg mais cedo do que esperávamos. Enfraquecida pelos escoceses, Bebbanburg está mais vulnerável que nunca, tal como o seu líder, Aelfric.
Ao aperceber-se deste cenário, Uhtred decide que é tempo de fazer uma visita ao tio — qual Scar. Apanha não só Aelfric de surpresa, como os espectadores, pois nada apontava para que esta parte do enredo se desenvolvesse já na quarta temporada. Estava a parecer demasiado fácil e, sobretudo, demasiado rápido. O plano imprudente resultou num desfecho um tanto previsível: não foi desta que Uhtred recuperou Bebbanburg. Deixando-se levar pela sede de vingança, calcula mal os passos que tem de dar e acaba por pagar o preço.
De uma forma nada proveitosa, Aelfric, personagem que conquistou o nosso ódio desde o início, é morto. Contudo, não conseguimos retirar quase nenhum prazer deste desfecho, uma vez que não foi pela mão de Uhtred, nem de forma lenta e dolorosa. Não sei até que ponto esta decisão terá sido inteligente, pois três temporadas a anteciparem um confronto como este que depois culmina num reencontro apressado e aquém das expectativas pode prejudicar a história.
O encerrar de um capítulo
Depois de anos de conflito entre Uhtred e o Rei Alfredo (David Dawson), a doença prolongada do patriarca levou a melhor. É inquestionável que esta relação amor-ódio deixa saudades, especialmente tendo em conta o herdeiro que Alfredo deixou ao cuidado de Uhtred — Eduardo (Timmothy Innes) — , que não enche as medidas. Do pai, Eduardo apenas herdou a fé. As caraterísticas de Alfredo, que nos faziam detestá-lo e, ao mesmo tempo, apoiá-lo, foram consigo para a cova. No trono de Wessex senta-se agora um jovem inexperiente, instável e, sobretudo nesta temporada, insuportável.
Esta sucessão marcou o fim de uma era, abrindo caminho para a introdução de novas e mais novas personagens. Deste modo, chegou a altura de nos despedirmos dos anciãos cujo enredo atingiu um beco sem saída. É o caso, por exemplo, da rainha Aelswith (Eliza Butterworth), que, sem o seu marido, perde a relevância e o destaque que sempre teve. A sua intervenção deixou de fazer sentido, mas, ainda assim, conseguiu manter-se ativa durante mais uma temporada. Já exploramos isso melhor.
Ao contrário de Aelswith, o nosso querido Padre Beocca (Ian Hart), presente desde o episódio piloto, despediu-se num dos primeiros momentos da temporada. Consequência da impulsividade de Uhtred, foi a morte mais dolorosa desta temporada. Vamos sentir a sua falta, mas compreendemos. Dificilmente existiriam novos caminhos para Beocca percorrer. Agora sem o amor da sua vida, tornara-se uma personagem secundária.
Desde sempre se assumiu enquanto a figura paternal de Uhtred, apesar de todas as desavenças entre os dois, geradas por inúmeros conflitos de interesse. A forma como partiu é o que mais custa: depois de anos a olhar pelo viking, Beocca atravessa-se no caminho de uma seta destinada ao filho de Uhtred. A sua morte é triste, mas heróica — e não podíamos pedir mais para o fim de uma personagem tão adorada pelos fãs.
Quem vos viu e quem vos vê
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e, pelos vistos, as personalidades. Algo em que não pude deixar de reparar foi a alteração drástica do caráter de certas personagens. Eduardo, por exemplo, passou de bestial a besta. A sua mãe, Aelswith, fez o percurso contrário. Na terceira temporada é-nos apresentado um Eduardo imaturo, que contraria os seus deveres e que preferia virar as costas à coroa.
Rebelde, une-se a Uhtred, em quem se inspira. Apesar de ser ingénuo, demonstra bondade e coragem. Por alguma razão, nesta quarta parte, parece outra pessoa. Mostra finalmente de quem é filho. Está mais frio, mais cruel, mais inacessível. A par disso, assume agora na totalidade o seu cargo enquanto rei de Wessex.
Se a ideia era tornarem-no parecido ao seu pai ou fazer-nos reconhecer traços do mesmo, não posso dizer que tenha sido bem executada. Segue as suas passadas, principalmente na missão de vida de Alfredo — a de unificar os reinos de Inglaterra, tornando-o num só —, mas limita-se a ser uma tentativa de “cópia barata”. Alfredo era carismático e cauteloso, enquanto o seu filho não passa de um frustrado aborrecido e dependente daqueles que o rodeiam.
A esposa de Alfredo, Aelswith, sempre foi conhecida em The Last Kingdom por ser intragável. Durante três temporadas foi a pedra no sapato de toda a gente; agora, do nada, torna-se irreconhecível. É uma mudança bastante confusa, tendo em conta que acaba de perder o companheiro — o que, pela lógica, a tornaria ainda mais desagradável. Mas não, a verdade é que nunca esteve tão tolerável. O seu fanatismo não vem tanto ao de cima como é costume, contraria várias das suas convicções e revela um lado carinhoso e preocupado.
Ainda que prefira esta forma de ser, deixa-me deveras perdida. Como é que uma personagem destas se torna, de repente, efetivamente prestável e simpática? Não seria a primeira vez, mas normalmente advém de algum acontecimento, de um incentivo. No caso de Aelswith, não percebo o motivo desta descaraterização, apesar de preferir a sua nova personalidade.
Este artigo foi escrito por Giovani Pacheco e publicado originalmente em Prensa.li.