Tico e Teco: comédia maluca e drama real
Astros de longa data
Os simpáticos chipmunks Tico e Teco (surpresa: não são esquilos, e sim uma outra espécie de roedores, chamadas em português de tâmias) sempre foram coadjuvantes de luxo. No original, Chip e Dale, surgiram em 1943 no curta Soldado Pluto (Private Pluto), onde chegam enlouquecendo o pobre cachorro do Mickey. Daí para contracenar com o restante do “elenco” da Disney, foi um pulo.
Primeira aparição, em Soldado Pluto | Divulgação: The Walt Disney Company
Soldado Pluto foi roteirizado por ninguém menos que Carl Barks, mais conhecido como “o homem dos patos”. Não é de estranhar que os pequeninos rapidamente tornaram-se figurinhas carimbadas em desenhos do Pato Donald, contribuindo muito para o seu mau humor. O Mickey foi outra vítima constante das traquinagens da dupla.
O tempo passou, Tico e Teco continuaram a aparecer em diversas animações, mas sempre tocando o terror sobre o personagem principal. Até que no final da década de 1980, a Disney lançou uma animação para TV intitulada Tico e Teco e os Defensores da Lei (Chip’ n ’Dale Rescue Rangers).
Alçados ao papel de protagonistas e com um belo elenco de apoio, os dois esq… tâmias desceram das árvores e passaram a realizar operações de salvamento, combate ao crime, etc. Uma belíssima mudança na carreira.
Uma alteração visual foi marcante: Tico passou a usar um traje muito parecido com o do arqueólogo/aventureiro Indiana Jones (décadas antes da Lucasfilm ser integrada à Disney) e Teco passou a usar uma camiseta florida, condizente com o visual dos policiais da série Miami Vice, sucesso absoluto na ocasião.
A série de 1989: protagonistas | Divulgação: The Walt Disney Company
Os Defensores fizeram sucesso mundial. Logo foram para os quadrinhos, videogames e muitos produtos para o público infantil. Aqui foi exibido nas manhãs da TV Globo e muita gente ainda tem uma certa nostalgia dos divertidos episódios. E é baseado nesta nostalgia que a mesma Disney lança o longa em questão.
Menos do mesmo
Se enganou quem imaginava uma nova aventura da velha equipe. A coisa aqui vai longe, muito mais longe do que se supunha. Nossos pequenos tâmias (agora acertei) estão aposentados da vida artística, depois que a série em que participavam foi cancelada, há três décadas.
Como em muitos casos, os irmãos seguiram caminhos diferentes. Tico vive uma vida normal e enfadonha, enquanto Teco ainda sonha com os holofotes. Não por acaso, passou por um “tratamento estético computadorizado”, apresentando um layout condizente com as animações atuais. Ainda tentando reaver o glamour da vida artística, está intimamente ligado às convenções de fãs.
Uma Cilada para Roger Rabbit: comparação inevitável | Divulgação: Walt Disney Pictures
Vivem numa cidade habitada por personagens de animação e games, que remete diretamente à Toontown, residência dos desenhos animados do excelente longa Uma Cilada para Roger Rabbit. Aliás, muitos críticos mundo afora têm feito comparações diretas entre os dois filmes, que não por acaso saíram do mesmo forno.
Um fato (que não vou revelar) faz com que os dois tenham de sair de suas tocas (ou árvores, casas, enfim…) e entrar em ação como nos velhos tempos. Só que o mundo real e o mundo das animações mudou muito em mais de trinta anos, e várias surpresas os aguardam durante a aventura.
Grande elenco
O grande charme do filme, assim como em Roger Rabbit, é a imensa lista de participações especiais. Não vou me alongar para não estragar nenhuma piada, mas você vai ver por ali passagens rápidas de Balu (do clássico Mogli), Lumière (de A Bela e a Fera), He-Man, Jimmy Neutron, o Urso Polar das campanhas da Coca-Cola, Pumbaa (da versão live action de O Rei Leão), Mestre Louva-a-Deus (de Kung Fu Panda), o quaquilionário Tio Patinhas, além de citações a Shrek, Looney Tunes, entre muitos outros. Sobrou até para o Naruto, além de uma citação certeira a Alvin e os Esquilos. Que aliás, também são tâmias!
Sonic Feio: jornada de redenção | Divulgação: Disney +
Dois atores especialmente convidados merecem destaque: primeiro, o Sonic do filme de 2020. Não o que chegou aos cinemas, mas o que foi apresentado nos primeiros trailers e automaticamente rejeitado pelo público, obrigando os produtores a refazer boa parte da animação. Conhecido como o Sonic Feio, tem importância crucial – e ótimas piadas – no decorrer do filme.
Outro é o Peter Pan. Sim, o herói do clássico da Disney, do longa de 1953. Porém, o menino que não queria crescer acabou crescendo. Com isso, não conseguiu mais trabalhos na cruel indústria de animação de Hollywood, foi relegado ao ostracismo, e é o vilão desta história.
Seria mais uma boa piada, mas é aqui onde o caldo de Tico e Teco - Defensores da Lei acaba ganhando um gosto amargo, e real.
Drama na Terra do Nunca
Nas redes sociais e também na mídia americana, rapidamente fizeram um paralelo com a história do ator Robert Driscoll, mais conhecido como Bobby Driscoll.
“Conhecido de quem?”, você pergunta. Eu respondo. No Brasil, o personagem foi dublado pelo ator Lauro Fabiano. Porém, no original americano, era Driscoll que fazia a voz do personagem. Pior: o próprio visual de Peter Pan foi baseado em seus traços físicos.
O ator havia participado de várias produções da época em live action, sobretudo pela própria Disney. Entre eles A Canção do Sul e A Ilha do Tesouro. Neste último, sua interpretação de Jim Hawkins, o menino que parte numa aventura de piratas, credenciou-o naturalmente para o protagonista de As Aventuras de Peter Pan. Afinal, já tinha uma respeitável experiência com bucaneiros, corsários e outros malfeitores dos mares, adequado para enfrentar o temido Capitão Gancho.
Mas ao contrário de Peter Pan, Bobby cresceu. E com isso, perdeu a graça. Seu contrato com a Disney foi encerrado. Ainda fez alguns trabalhos de sucesso na TV e uma ou outra produção no cinema. Peter Pan pensava em coisas boas para voar, mas não foi suficiente para Bobby, que viu sua carreira entrar em queda livre.
O Peter vilão: inspirado em Driscoll? | Divulgação: Disney +
Sem saber administrar o momento, acabou abandonando a carreira artística. Encontrou refúgio no álcool e nas drogas. Em 1968, crianças que brincavam num terreno no East Village encontraram um corpo sem vida e chamaram a Polícia. Driscoll foi enterrado como indigente, aos 31 anos.
Fato é que a história do Peter Pan que cresceu, tornando-se o vilão em Defensores da Lei, é assustadoramente parecida com a de Bobby Driscoll. Passando um pouco longe da coincidência, ou quem sabe, de uma homenagem com gosto extremamente duvidoso. Também não é coincidência que, via redes sociais, boa parte do público tenha feito o cancelamento do filme dos esqui… tâmias.
Fora esse desvio, o filme é excelente, e vale demais a pena assistir. Admito que vi pouco da série ao qual o longa é referenciado, mas isso não fez diferença. O humor, assim como no citado A Nova Onda…, usa e abusa de todos os tipos de referência, sendo um prato cheio para quem quer ver uma aventura e rir bastante. Apesar do toque amargo dos bastidores.
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.