Tintim - o jornalismo em quadrinhos
Se nessa semana comemoramos o Dia do Jornalista, nada mais propício do que falar sobre um dos jornalistas mais famosos dos quadrinhos: Tintim.
Tintim é um repórter que viaja pelo mundo em busca de boas matérias e furos de reportagens, levando seus leitores a grandes aventuras e mistérios. Tem ao seu lado Milu, um fox terrier que sempre o acompanha em suas viagens (e muitas vezes o salva de grandes enrascadas).
O criador de Tintim é o belga Georges Prosper Remi, mais conhecido como Hergé. Desde sua primeira publicação, em 1929, com Tintim no País dos Sovietes, manteve-se criando e ilustrando outras tantas histórias até sua morte em 1983. Ele é considerado por muitos como o quadrinista mais influente da Europa.
As Aventuras de Tintim começaram a ser publicadas em 1929 no suplemento juvenil “Le Petit Vingtième”, do jornal “Le Vingtième Siècle” (Tintim também trabalhava para esse jornal em suas aventuras). As histórias eram publicadas em semanários e somente ao concluí-las que elas se tornaram livros.
No total foram 24 publicações, sendo 23 completas e a última, Tintim e a Alfa-Arte, ficou inacabada devido a morte de Hergé. Manteve-se a história dessa forma, respeitando um desejo do autor que mais ninguém escrevesse as histórias de Tintim após a sua morte. Além dos quadrinhos, também houve animações e adaptações para o cinema e teatro.
"Por que criei um repórter? Simplesmente porque queria dar a minha personagem o maior realismo possível e, como trabalhava num jornal… Nessa época o repórter era uma pessoa excepcional, por ser rara; estava no lugar mais avançado do jornalismo, isto é, da aventura. Eis porque se poderia tornar sem dificuldade um herói." - Hergé
A primeira fase dos roteiros de Hergé foram problemáticas. Eram carregadas de preconceitos e transmitiam uma visão eurocêntrica, colonialista e imperialista, tendo, inclusive, um enredo bem simples e por vezes sem conexão alguma. Por exemplo, em O País dos Sovietes temos russos comunistas completamente impiedosos; em Tintim na América temos os nativos dançando ao redor dos reféns brancos uma música de guerra; e em Tintim na África (ou Tintim no Congo) temos sua história que mais rendeu problemas por conta do racismo encontrado em suas páginas.
Em Tintim no Congo temos um Congo Belga (como chamava-se na época o território atualmente conhecido como República Democrática do Congo, ocupado pela Bélgica até 1960) onde os nativos são retratados como inferiores, não civilizados e totalmente dependentes do branco para qualquer desenvolvimento. O próprio Hergé reconheceu esse problema em uma entrevista que concedeu ao escritor, ator e cineasta congolês Numa Sadoul, em 1975:
"É fato que eu estava alimentado dos preconceitos da sociedade burguesa onde eu vivia... Era 1930. Eu só sabia coisas sobre esses países a partir do que as pessoas diziam naquele tempo: ´Os africanos são umas grandes crianças... Que bom para eles que nós estamos lá!, etc.´ Então eu representei os africanos de acordo com esses critérios, com o puro espírito paternalista que então existia na Bélgica." - Hergé
A HQ Tintim no Congo, lançada em 1931, resultou num processo anos atrás iniciado pelo congolês Bienvenu Mbutu Mondondo, que pediu sua proibição por ter um conteúdo tido como racista. Vale destacar que Hergé modificou a história em algumas republicações, mas, isso não mudou o fato. A corte belga declarou que não havia intenção de racismo quando foi publicada e que a HQ retratava apenas o pensamento da época colonial. Polêmico, não?
Problemas à parte, o amadurecimento do personagem começa a acontecer a partir da criação de Tintim e o Lótus Azul e um dos responsáveis por isso foi Chang Chong-Chen, um artista chinês que procurou Hergé ao saber que ele escreveria uma história de Tintim na China. Chang o aconselhou a ser mais cauteloso em suas publicações e, desde então, Hergé passou a aprofundar suas pesquisas sobre os locais em que escreveria suas histórias, criando, inclusive, um banco de dados para isso.
Com essa nova etapa, temos uma transformação interessante em nosso personagem. Tintim, em sua primeira fase, é um jornalista mais clássico, curioso, desconfiado e instintivo. Busca a veracidade dos fatos apresentados a ele através de investigações inteligentes, entrevistas e, claro, não poderia faltar o lado mais destemido e corajoso.
Enfrenta perigos diversos para obter sua matéria ou um grande furo de reportagem. De negativo temos um Tintim preconceituoso e que, de certa forma, pode gerar histórias que soam tendenciosas.
Na segunda fase temos um Tintim acompanhando os fatos, mas, tendo pouca participação ou influência nestes, deixando de ser o grande jornalista de suas primeiras histórias. Em contrapartida, temos um Hergé mais centrado e pontual, criando mais conexões com o mundo real.
As aventuras nos mostram agora cenários políticos mais atuais e condizentes com a época retratada na história, como por exemplo, o conflito Israel-Palestina, a Guerra Fria, golpes de Estado e até mesmo civilizações já extintas como os Incas.
Certamente as mudanças em Hergé influenciam Tintim e, ao lermos atentamente, percebemos que o Tintim apresentado em O País dos Sovietes é completamente diferente do Tintim e o Lótus Azul, que por sua vez é completamente diferente de Tintim e os Pícaros (sua última história).
Podemos dizer, afinal, que Tintim possui características típicas de um bom repórter e nos apresenta um jornalismo repleto de aventuras, que bem sabemos ser um tanto utópico e, também, heroico. A profissão pode ser cheia de aventuras, mas, também, repleta de dificuldades para se conseguir uma grande projeção ou um furo de reportagem.
Acredito que o segredo para se obter sucesso e satisfação está ligado ao amor que se tem pelo que se faz. Tintim vai aos extremos, possui grandes qualidades, mas, também tem seus problemas e defeitos. A grande questão em si é como ele lida com isso ao longo de suas histórias e, talvez, seja por esse motivo que ele se tornou um ícone do jornalismo na cultura pop.
Imagem da capa: Divulgação
Este artigo foi escrito por Edu Molina e publicado originalmente em Prensa.li.