Todos os Jôs Possíveis
Agora que o estrondo da comoção social pelo falecimento do Jô está diminuindo (jamais deixará de ser sentido), é bom momento para dar asas à imaginação e desenhar o Brasil sob comando de todos os “Jôs Possíveis”. Imaginação certamente não tão produtiva quanto à dele próprio.
Os mundos corporativo e esportivo detêm uma máxima que diz não haver pessoas insubstituíveis. Ou seja, por mais eficaz, eficiente, produtivo e vitorioso que alguém se mostre no ramo de sua atividade, sempre haverá outro que faça no mínimo igual. Bem, há “Jôs possíveis” no brasil que contradizem isso.
Para muitos, a premissa da insubstitutividade é verdadeira. Contudo, há variáveis fortes que a põem na berlinda; muitas delas passam longe de questões de lógica.
Uma é relacionada às mães e pais; não há um só deles que seja substituível; nem mesmo os que abandonam filhos, pois estes passam boa parte da vida a sua procura ou, no mínimo, acalentando sonhos de tê-los por perto.
Outra está associada a grandes pensadores. Não se vê até então quem possa substituir Lúcia Helena Galvão, Sócrates, Rosa de Luxemburgo, Platão, Nietzsche etc. Suas ideias estão calcadas, tatuadas na personalidade de cada um. Dessa maneira, são o que pensam e, assim, não há como substituí-los.
Jô Soares, o Gordo, é outro exemplo.
Experimento mental Jôs Possíveis
Neste ponto deste ensaio, os leitores já estão se perguntando quem poderia substituir Jô Soares. Bem, alguns que acompanharam apenas sua carreira de humorista talvez tenham um ou duas opções.
Quem o viu apenas no teatro talvez tenha duas ou três alternativas; algo semelhante ocorre para aqueles que o viram como escritor, diretor de peças, argumentista, músico etc. separadamente.
Entretanto, todos que sentiram a sensibilidade do Jô, o Gordo, como um todo, de forma ampla, certamente vai concordar que não houve nem haverá ou Jô.
Então, como seria o Brasil se houvesse um Jô comandando algumas áreas importantes das relações sociais? Na Cultura, não é preciso qualquer experimento mental. Todos os brasileiros e boa parte da humanidade em si já sabem o que ele fez.
O Jô real, que é por si um dos Jôs Possíveis, colaborou no desenvolvimento do processo cultural do país por meio das peças em que atuou ou pelas que dirigiu. Foi também escritor romancista de sucesso. A cadeira 33 da Academia Paulista de Letras - APL coloca Jô, o Gordo, no ápice da montanha de grandes nomes paulistanos. E brasileiros.
Há uma pintura que nasceu de suas mãos; está exposta num bar há décadas; há arranjos musicais sendo entoado por muitos jazzistas por aí.
Jôs Possíveis: Diplomacia
Um filho de um fantástico diplomata é por si diplomata fantástico nato. Isso não é regra, mas é forte tendência. A figura clássica de Jô, o Gordo, o coloca nessa tendência. Ele estudou no Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, no Colégio São José de Petrópolis e em Lausana, na Suíça, no Lycée Jaccard justamente em razão dessa tendência.
Queria ser diplomata. Fica-se então imaginado em que patamar de admiração internacional estaria o país se tivesse sido:
→ O termo “pária” jamais passaria nem mesmo perto do nome “Brasil”
→ As engrenagens políticas cantariam alegres ao escancarar portas de todos os países para os brasileiros
→ A ideia de que o Brasil é o país das “mulatas gostosas” se perderia em prol da ideia de um país de mulheres atuantes
→ A China estaria brigando para importar muito mais do que os quase 60 bilhões de dólares (2020) de hoje
→ Brigitte Macron sorriria de orgulho ao mencionar a palavra “Brasil”
Jôs Possíveis: Saúde
Um Jô Possível no Ministério da Saúde evitaria CPIs associadas a essa pasta. Afinal, teria sido rápido na divulgação da ideia de que é preciso se vacinar e no processo de compra de insumos.
No mundo não imaginário, Jô, o Gordo, dirigiu-se ao posto montado no estádio do Pacaembu tão logo houve autorização de vacinação para sua idade. Sob sua máscara, era possível ver seu sorriso ao expor seu cartão de vacinação.
Com tal consciência, um Jô Possível ministro da Saúde daria broncas amigáveis e bem-humoradas em quem não quisesse se vacinar. E em pronunciamentos simpáticos em cadeia de rádio e TV. Conseguiria separar sentidos religiosos dos sentidos sociais durante convocação à população e fazer que o brasileiro corresse aos postos.
Com toda certeza, a disputa entre o Palácio dos Bandeirantes (SP) e o Palácio do Planalto não seria política. Toda a energia seria voltada para que planos eficientes fossem postos em prática, fosse qual fosse o governador que os propusesse.
O valor social do SUS seria ampliado; as carteirinhas de vacinação das crianças seriam algo como “Diplomas de Humanidade” de pais e responsáveis.
(Ainda na diplomacia: no mundo real, ele permaneceu pacientemente na fila à espera de sua vez de se vacinar.)
Jôs Possíveis: Economia
A inteligência extraordinária de Jô encontraria meios que o levar ao Prêmio Nobel de Economia. De alguma maneira, faria que o agronegócio duplicasse participação no PIB nacional (mais de 27% em 2021).
A estratégia para tal seria simples: deixaria de ser “negócio” e passaria à instância de “genialidade”. Teria dito ele: “Não é possível que um país fonte de alimento para 20% da humanidade encare essa atividade como ‘negócio’. Uma coisa não é coadjuvante da outra. Vamos mudar o nome para ‘agrogenialidade’”.
A indústria receberia propostas estrangeiras de parceria. Ou seja, deixaria de mendigá-las mundo afora. Nesse caso, o salário mínimo calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese seria o praticado pela política nacional.
Ou bem próximo a ele: quase 6400R$.
Congresso
Um dos Jôs Possíveis como líder geral do Congresso tornaria o voto opcional. Contudo, por “milagre” de sua capacidade de comunicação, a abstenção nas urnas seria zero. E tudo por conta de novo sistema eleitoral: voto em ideias e não em pessoas.
O Jô Possível no Congresso implantaria um processo racional:
→ os partidos recebem planos de governos de seus partidários
→ somente as altas cúpulas dos partidos sabem quem são os candidatos idealizadores dos planos
→ divulgação da imagem e do histórico dos candidatos é proibida em campanhas eleitorais; se vazar, o candidato é automaticamente excluído do processo eleitoral
→ a propaganda gratuita em mídia mostra os Planos de Governo e não os candidatos
→ as urnas apresentam apenas os números dos partidos e respectivos nomes dos planos, sem fotografias de pessoas
→ os candidatos são conhecidos publicamente somente após a apuração dos votos
Quanto à postura dos eleitos em qualquer esfera de governo, todos deveriam - por Lei - matricular seus filhos em escolas públicas, usar o SUS como plano de saúde, manter seus automóveis para uso somente em eventos públicos, receber três salários mínimos (Dieese), ter os salários de seus assessores providenciados pelo RH do Congresso e não por cotas.
Comunicação
Especialmente na comunicação, a postura de um dos Jôs Possíveis seria fantástica. A população teria todas as informações necessárias para avaliação dos governos, não havendo, claro, qualquer espaço para notícias falsas. Esse ato haveria de incluir anulação de todos os chamados processos de “100 anos de segredo” fosse qual fosse o tema.
Em meio à pandemia, a mídia veicularia propaganda sobre vacinação, indicando regionalmente os endereços dos postos. Os “Elons Musks da Vida” seriam tratados como iguais.
As relações virtuais via redes sociais seriam muito mais assertivas, menos intromissivas. O índice de ataques às minorias diminuiria consideravelmente. Afinal, o outro Jô Possível, o da Educação, faria um trabalho tal que responsabilidade cidadã seria matéria curricular nas escolas.
Quantos Jôs caberiam no comando de áreas importantes no Brasil? Imagine um deles na Educação? Ou no comando da Casa Civil? Ainda, apresentando projetos para Segurança Pública e Segurança Nacional? Como seria sua gestão na administração do INSS?
Todos os Jôs caberiam no Brasil. Lamenta-se que isso seja utopia.
Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.