Tokenização faz sentido para pequenos negócios?
Imagem - Team Guerreras
Este é o primeiro texto de uma trilogia sobre a tokenização no contexto dos pequenos e micro empreendimentos.
A tokenização é o processo de representar o direito ao seu produto ou serviço em unidades de valor (físicas ou digitais) chamadas token. Ao invés de pagar diretamente a você pelo serviço ou produto, o cliente adquire o token que concede a ele o direito a ambos.
Desta forma a tokenização soa como mais uma porta, ou obstáculo, entre o consumidor e o seu produto-serviço. Porém, fosse esse o caso, a tokenização não seria uma tendência entre empresas líderes dos mais diversos setores.
A situação atual do pequeno e microempreendedor
Todos sabemos que existem diversas formas de reserva de valor.
No entanto, para o pequeno empreendedor, existem duas reservas de valor bem específicas: o dinheiro e a sua rede de suporte (o conjunto das pessoas e instituições com as quais ele compartilha laços de confiança).
Digo isso porque um pequeno empreendedor dificilmente vai abrir uma offshore para guardar moeda estrangeira em um paraíso fiscal para balancear as perdas da inflação.
Quando chega ao limite do crescimento possível com dinheiro próprio, o pequeno empreendedor vai até o banco e toma um empréstimo com o qual vai financiar sua expansão. Fim, todos vivem felizes para sempre.
Essa seria a realidade ideal, mas sabemos que não acontece assim.
O pequeno empreendedor muitas vezes vive em um estado contínuo de endividamento, e seu acesso ao crédito é difícil mesmo que tenha todas contas sob controle.
Esse é o ‘mato sem cachorro’ onde vários pequenos empreendedores brasileiros se perdem, não por incompetência, mas por condições adversas estrategicamente construídas para os levar ao endividamento.
Em um país cujo arranjo produtivo é constituído por instituições financeiras para instituições financeiras, o endividamento dos empreendedores é como uma grande fazenda de juros abusivos.
O risco de um empréstimo com juros abusivos que pode significar o fim do seu negócio muitas vezes afasta o empreendedor de considerar uma expansão.
Nessa dinâmica, o negócio deixa de crescer, vagas de emprego deixam de surgir e a economia deixa de girar.
Se isso custa caro ao pequeno empreendedor, custa ainda mais caro ao país em termos de vagas de emprego, competitividade da indústria e inovação.
Por impor um arranjo produtivo que torna a capacidade intelectual, e laboral do empreendedor, refém dos juros abusivos, o Brasil perde a oportunidade de expandir sua classe média.
No entanto, será que essa realidade afeta todos, pequenos, médios e grandes empreendedores por igual?
Ninguém está reinventando a roda
O que as grandes empresas fazem para financiar sua expansão?
Elas tokenizam. Como? Através da emissão de títulos e ações. Essas são formas tradicionais de tokenização.
Com a tokenização as grandes empresas podem, por exemplo, negociar sua produção futura ou a expectativa de sucesso de um projeto específico.
Os riscos envolvidos nesse processo são diluídos entre a empresa e os investidores, e se o risco é compartilhado, a responsabilidade por diminuir sua possibilidade também é.
A negociação da produção futura ou expectativa de sucesso de um projeto específico não ocorre apenas entre a empresa e os investidores.
Uma vez que essa negociação se dá a partir de tokens, o investidor que comprou pode vender e obter lucro.
Essa possibilidade faz com que a negociação não seja circunscrita ao alcance geográfico da empresa.
Mesmo que a atuação da empresa possa estar geograficamente restrita, a negociação dos tokens de seus projetos é realizada no âmbito global do mercado financeiro.
Assim, as grandes empresas financiam seus projetos sem precisar tomar crédito a juros abusivos.
No entanto, sabemos que a emissão de ações, títulos, etc, são processos complexos, com critérios rigorosos e alto custo.
Existe algo que pequenos empreendedores possam fazer?
O caso Minasul
O mais brasileiro dos exemplos da tokenização diz sobre a iniciativa da cooperativa Minasul de tokenizar a sua produção de café.
O token criado na cooperativa poderá ser utilizado pelos produtores associados para adquirir os insumos e maquinários para sua atividade.
Divulgação
A emissão do token, por sua vez, poderá representar a produção atual ou futura (30% da atual, 20% da futura e 10% da safra seguinte).
O token foi construído em parceria com a Microsoft no projeto FarmBeats e representa um dos mais avançados estágios da utilização da tecnologia Blockchain na agricultura.
Este caso da Minasul representa uma forma alternativa àquela tipicamente utilizada por grandes empresas. Ao invés de emitir ações e títulos, a cooperativa criou um token próprio utilizando tecnologia Blockchain.
Ao tokenizar sua produção, os produtores de café associados puderam tirar proveito da maioria das vantagens que grandes empresas tem ao emitir ações e títulos.
Poderia encerrar o texto aqui e teríamos um bom exemplo de como empreendedores brasileiros tiraram proveitos da tokenização.
No entanto, a premissa da organização em cooperativa já exigiria do pequeno empreendedor uma série de esforços que renderiam, e rendem, centenas de livros.
Este texto visa, principalmente, o pequeno empreendedor não associado, o pequeno produtor que conta apenas com seus próprios recursos materiais e intelectuais.
Há alguma forma desde pequeno empreendedor tirar proveito da tokenização?
O processo de tokenização, engenharia monetária, e consultoria legal e tributária podem representar custos grandes demais para o pequeno empreendedor. Mas isso não implica em uma restrição definitiva.
O tipo de contribuição que a Microsoft ofereceu para a Minasul pode ser acessado com custo reduzido, e as vezes até gratuitamente, em protocolos DeFi (ou ReFi) já em funcionamento.
Antes de citar exemplos destes protocolos é importante dizer que qualquer bem ou serviço que possa ser comercializado pode ser tokenizado. A tokenização implica na representação do direito ao bem ou serviço, então, por exemplo, um designer, advogado, pedreiro ou ajudante de cozinha, poderá emitir tokens que representam direito a algumas horas do seu trabalho.
Atualmente, o maior desafio do pequeno empreendedor que queira tokenizar seu produto ou serviço é o de articular a abrangência do seu público atual com o novo público que terá acesso ao seu serviço.
O principal mandamento que o empreendedor deve seguir, no processo de tokenização, é que o objetivo é facilitar, não dificultar, o acesso ao seu produto ou serviço.
Entre os pequenos empreendedores podemos afirmar que profissionais liberais, em geral, representam os mais vulneráveis. Justamente por isso nosso exemplo de tokenização vai ser direcionado para eles.
A plataforma holandesa Work X permite ao profissional tokenizar suas habilidades na forma de diplomas e portfólios, e então disponibilizá-las em um mercado de alcance global.
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Embora seja recente e esteja ainda em processo de consolidação, a plataforma já mostra a viabilidade da sua proposta.
No contexto da produção rural, protocolos como Toucan e Regen Network permitem a tokenização da atividade de intelectuais, cientistas e agricultores envolvidos em projetos de preservação e regeneração do planeta.
Respondendo a questão inicial do texto: sim, a tokenização faz sentido para pequenos empreendedores.
No entanto, antes de aderir, é importante saber como é o processo e a diferença entre tokenizar um serviço, um projeto e um produto.
Na segunda parte deste texto explico como é o processo de tokenização, e na terceira explico a diferença entre tokenizar um produto, um projeto e um serviço.
Este artigo foi escrito por Dr. Marcelo A. Silva e publicado originalmente em Prensa.li.