Trabalho e resistência – pessoas com deficiência tem direito ao trabalho?
Podemos responder a pergunta do titulo com um “sim”, mas, há uma grande discussão dentro do tema. Pois, quando dizemos que existem leis que assegurem uma cota, as pessoas acham que são resoluções que colocam as pessoas em inferioridade. Mas, as cotas são resoluções socioeducativas para chamar a atenção em determinada ala da sociedade, tem o direito de estudar ou trabalhar como outras pessoas. A Lei de Cotas para contratação de pessoas com deficiência – determinada no começo da década de 1990 – foi uma delas e que marcou o começo da luta por melhores condições.
Confesso que em um período eu era contra, mas, vi que nossa condição cultural exigia leis afirmativas para que pessoas como eu, com deficiência, tenham o direito de trabalharem. Muitos textos escrevi sobre o assunto, pois, mesmo tendo cursos e muitos colegas também tendo cursos, muitas pessoas ficam de fora do mercado de trabalho. Se o problema é a qualificação, o porque essa lei não resolveu essa demanda? Será que o empresário brasileiro ainda tem um conceito decorrente do resto da sociedade da deficiência?
1 – Conceito da deficiência
Segundo o filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995), não há conceitos fáceis, mas, todo filósofo gosta de definir ou fazer conceitos para explicar alguma coisa dentro da realidade. A meu ver, para entendemos certas coisas – eu sendo um filósofo – tenho que definir o conceito daquilo para melhor entendimento da situação no todo. Qual seria o conceito de deficiência? Se definirmos o significado de deficiência diremos que, é um termo usado para definir a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica. Diz respeito as atividades biológicas de uma pessoa e foi definido pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Portanto, uma linguagem biomédica.
Etimologicamente, o termo tem origem do latim DEFICIENTIA e tem o significado “falta, enfraquecimento”, esse termo pode ser substituído por sinônimos como: carência, escassez, curteza lacuna etc. Na verdade, DEFICIENTE (que deriva deficiência, ou aquele que tem deficiência) é uma declinação no latim DEFICIENS e que tem o mesmo etmo do verbo DEFICIERE que significa faltar ou falhar. Com o aparecimento de linguagens mais politicamente corretas, foram criados muitos eufemismos que mudaram termos como “aleijado”, “deficiente”, “cego”, “surdo” para pessoa com deficiência.
Ou seja, o conceito da deficiência é uma negação daquilo que seja eficiente em alguns aspectos, mas, não em todos. Por exemplo, sou cadeirante e tenho uma falha na noção de equilíbrio e não fico em pé sozinho – apenas segurando – mas, outras funções funcionam bem e estou escrevendo esse texto. Mas, há outras definições que ainda persistem dentro da nossa cultura – que tem ainda características medievais – que é associar a deficiência dentro de um aspecto de doença. Por achar ainda, que a cadeira de rodas e a muleta – assessórios associados a doentes também – sejam indícios de doença. Outro aspecto é ter o critério de perfeição associado a anatomia estética e autonomia de ir e vir como quiser.
A anatomia estética foi avançando e hoje podemos corrigir posturas e operações podem corrigir uma possível má-formação óssea. Já a tecnologia de objetos de autonomia como cadeiras automatizadas, carros adaptados, transportes adequados graças ao avanço tecnológico, tem facilitado muito o ir e vir que está até mesmo, dentro da nossa Constituição. Então, a visão do corpo enquanto doente ou incapaz, tem raízes de uma concepção velha e que não cabe nos dias de hoje.
Se há as novas tecnologias que suprem correções de anatomia e de autonomia, por que empresários não contratam hoje pessoas com deficiência? O capitalismo – como forma de produção – colocou o corpo como instrumento do trabalho e a relação do corpo saudável tem a ver com o corpo que pode ser produtivo. Como houve por muitos séculos a associação do corpo deficiente ao corpo doente (desarmonioso), e assim, o corpo deficiente não esta pronto para o trabalho. Por isso que vem o termo capacitismo, porque tem a ver com incapaz e capaz, o que capacita e o que incapacita. Mas, existem as tecnologias hoje – coisa que não existia – como lhe dar com isso?
2 – Escolarização e trabalho inclusivo
Primeiro temos que definir o que seria escolarização com educação, que dentro da nossa cultura, se confundem. Escolarização é o ato de escolarizar, ou seja, levar as crianças a escola para receber uma educação obrigatória. Seria, mais ou menos, uma educação moral e que vem do ESTADO e é a garantia que as crianças estão em idade escolar e frequentem os centros de ensino e concluam os estudos.
O conceito de escolarização costuma ser confundida com a ideia da educação. Mas, a escolarização esta diretamente ligada a escola, que são instituições públicas onde as crianças são instruídas. Já a educação, é a própria instrução ou treinamento. De um modo geral, podemos dizer, que se aceita que a educação básica que permite as crianças uma inserção na sociedade e são oferecidas pelas escolas. Daí a importância da escolarização.
Segundo o filósofo e professor Mário Sérgio Cortella: “a educação é a formação de uma pessoa – responsabilidade dos pais – e a escolarização é um pedaço da educação”, ou seja, a escola não pode ser responsabilizada pela total educação dos filhos, não cabe a instituição ensinar os estudantes como deveriam perante a sociedade. O que seria um dever da escola é participar, complementar a educação do indivíduo, que é de responsabilidade da família.
Dito isso, também temos que dizer, que a escolarização inclusiva é garantida pela Lei da Inclusão. Segundo o documento, há garantias de inclusão das pessoas com deficiência no sistema de escolarização no Brasil, em todos os níveis e modalidades, desde a escolarização básica até a superior. Então, a lei determina que é um dever do poder público assegurar vagas escolares e condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem dessas pessoas, devendo eliminar barreiras arquitetônicas e atender as necessidades das crianças e adultos com deficiência.
Assim como a garantia do trabalho, que segundo a lei, as pessoas com deficiência têm o direito ao trabalho, de sua livre escolha e a aceitação. Portanto, as empresas tanto publicas como privadas ou de qualquer natureza devem ou deveriam garantir um ambiente onde há acessibilidade e instrumentos para trabalharem. E, além disso, fica proibidas qualquer restrição ao trabalho ou discriminação em razão da deficiência até mesmo, durante as etapas de recrutamento, admissão, permanência no cargo, ascensão profissional.
3 – Conclusão
Como vimos, há garantias de trabalho e garantias de escolarização inclusiva no Brasil. Graças a Lei de Inclusão, ou Estatuto das Pessoas com Deficiência, somos ou deveríamos ser respeitados como pessoas como outras quaisquer e que temos direitos como temos deveres. O que falta para mudarem essa visão? O que nos fazem pessoas diferentes? Uma visão que ainda, não mudou.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.