Tratado sobre o capacitismo – uma leitura filosófica sobre a deficiência
As palavras verdadeiras não são agradáveis e as agradáveis não são verdadeiras.
Estive procurando por duas semanas na minha estante de livros, mas, encontrei o livro que escrevi em 2015 que se chama: “Clube das Rodas de Aço – Tratado sobre o Capacitismo” que vendeu muito pouco livro. Não reclamo – mesmo o porquê, gosto não se discute – porque vida de escritor sempre tem um ar de fracassos e sucessos. Por outro lado, me espantei como não foi vendido, mesmo o porquê, ninguém tinha tratado o capacitismo com um ar crítico. Talvez, muitas pessoas não tenham entendido a proposta do livro e o impacto que ele poderia ter na reabilitação das pessoas com deficiência e o quanto essa discussão tem que transcender a ideia comum da inclusão.
O tratado foi numa época que eu estava muito engajado na defesa da inclusão e ainda tinha um blog chamado Clube das Rodas de Aço – que peguei referência no filme Como Eu era Antes de Você, onde o protagonista ironiza depois que sua cuidadora diz para ele socializar – onde escrevia textos sobre deficiência e inclusão. Mas, o que se trata o livro? É muito difícil ver pessoas com deficiência física, principalmente, irem para a área da escrita e ter a imagem de “superação” sem dramas. Temos uma cultura que ainda acha que não se supera uma deficiência do modo mental e escrito e sim, no modo esportivo e no modo de mostrar que a limitação física não ser um empecilho.
Eu costumo usar uma frase da senhora Lourdes Guarda – que ficou internada no Hospital Matarazzo por quase toda sua vida – que era: nenhuma deficiência deveria limitar a vida. Exato! Nenhuma deficiência pode ser empecilho de termos uma vida vazia e pobre que achamos ter que ficar lá no cantinho esperando as coisas acontecerem, pois, não vão acontecer e o mundo não vai mudar se não mudarmos nosso próprio modo de pensar. A frase da Dona Lourdes diz isso, não vai delimitar sua vida e nem vai atrapalhar a sua obra. Uma outra frase que gosto muito é: “nada sobre nós sem nós”. Ou seja, se nada pode limitar uma vida plena, tudo que é feito sem nossa participação sobre deficiência – daí entra a representatividade – não deveria ser valido, mesmo dentro das intenções inclusivas.
Costumo dizer que o termo inclusão não seria o termo certo, porque tudo aquilo que temos que incluir está fora e, a meu ver, não estamos fora da sociedade. Logo no começo do livro eu coloco: “Um deficiente não nasce deficiente e sim, se torna deficiente pelas imagens (estereótipos) que a sociedade o dará”. Porque se começa com o médico que coloca uma condição que, na própria ciência, não existe: saber se o corpo das pessoas com deficiência vá ou não precisar de acompanhamento. Não vou negar que existem pessoas com deficiência física que, porventura, tenham limitações muito severas (que chamamos de deficiências graves), mas, não se pode generalizar. A ciência – um médico deveria saber disso – lida com fatos e não pode prever a progressão da deficiência.
Na essência, a deficiência é uma limitação muito maior de não enxergar uma realidade: não existe perfeição. A perfeição foi criada para limitar aquilo que se é padronizado dentro de uma cultura e o que não é, mas, um corpo ou outros corpos, não são perfeitos. Daí entra a concepção platônica da cópia (mimesis) e o original (idea), pois, coisas perfeitas só existem em uma ideia, numa idealização do mundo. Ou melhor, a aceitação da limitação diante do perfeito idealizado. Não há como sabermos se há uma cópia mesmo, mas, a perfeição, com certeza, só existe na idealização. Portanto, a idealização de uma imagem da inclusão, tendem a construir um estereotipo de depender de outros (na sua maioria, poder político dos outros) para lutar por uma coisa nossa. Pois, somos limitados, somos dependentes, somos fechados dentro da idealização da perfeição.
A humanização da deficiência, também passa como uma verdade sem sequelas conceituais. Então, o livro fala de ruptura, dessa ideia da deficiência como doença e como uma imagem estereotipada da deficiência enquanto limitação da vida. Limitação quer dizer limitar, dar limite em algo. Mas, acredito, que a limitação são coisas que colocamos como um critério que não existe. Ou seja, sem nós não se deferia discuti formas de políticas públicas, transportes e, até mesmo, reabilitação. A inclusão só acontece quando entendemos a essência dela.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.