Trocar de casa é tipo terminar relacionamento
Eu era pequeno para entender o mundo, mas a vida apresentava duas grandes certezas: não podia dormir tarde e, se ligasse no Cartoon, estaria passando A Corrida Maluca. O desenho era uma espécie de Mario Kart rústico com gráficos 2D em que corredores como Mutley, Pernelope Charmosa e Rufus (o lenhador) usavam de artifícios duvidosos para chegar ao podium. Tipo speed racer só que com trapaça e humor.
Me parece que procurar um lugar para morar é um pouco assim, de aluguel ainda pior. É preciso ter sorte, lutar recursos com escassos, superar a concorrência e usar certa dose de malandragem na negociação. Além disso, cedo ou tarde precisamos encarar uma realidade comum aos relacionamentos amorosos. Da mesma forma que ninguém possui todas as virtudes apreciadas, nenhum apartamento tem, ao mesmo tempo, varanda e lavanderia decente. No final do dia, cabe celebrar os pontos positivos e conviver com as inconveniências de projetos mal feitos ou gente imperfeita.
Às vezes, aquela pessoa que aquece o coração faz som de porquinho quando ri e isso incomoda. Para outros, o atraente charme da risada de javali é acompanhado por um ciúme pouco saudável. Tem gente que Deus deu beleza em dobro, mas detesta óculos escuro espelhado. Sinuca de bico por causa de estilo. E de Juliette ninguém abre mão, certo? Tem também o "ele é perfeito, mas é baixinho"; "adoro ela, mas a voz irrita" e o clássico "a gente é amigo demais".
Outro desafio que inquilinos e futuros Exs enfrentam é o término. O encantamento por um novo projeto frequentemente nos faz esquecer o quão infernal pode ser uma mudança ou término. Pintura geral e a troca de rodapé que o cachorro comeu encontram eco em lágrimas, traumas e até gritaria. Não vou nem falar do transtorno que é encontrar a ex com menos de um mês de namoro com a atual ou da multa por romper o contrato de 30 meses.
Depois de 8 apartamentos visitados na última semana e uma vida de frustrações amorosas, a gente sempre acha algo. Melhor? Pior? A verdade é que nem sempre a gente tem opção, seja porque o contrato venceu e proprietário está irredutível ou recebemos um desesperador whats "precisamos conversar". E aí começa a correria por novos desafios e velhos amores ou viceversa. Sabia que o Dick Vigarista nunca ganhou uma corrida?
Imagem de capa - A dor do término do contrato social
Este artigo foi escrito por Daniel Manzano e publicado originalmente em Prensa.li.