Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
Ao terminar de assistir Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once, 2022) eu quis simplesmente ficar na cadeira do cinema, nada de ir para casa ou mesmo fazer uma pausa para o banheiro, eu só queria ficar ali e reassistir ao filme de imediato.
Não é que eu não tenha entendido o filme ou que eu seja esbanjador a ponto de pagar outro ingresso para a próxima sessão, é apenas que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é maravilhoso e impactante ao ponto de eu querer assimilar cada detalhe do filme para conversar com cada uma das pessoas que já assistiu a essa maravilha da sétima arte.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo pede debate, pede reflexão, pede para ser assistido com mais gente, pede para procurar textos sobre ele na Prensa e pede, acima de tudo, para que você se divirta assistindo.
Tudo
Diz a piada que certa vez um monge zen budista foi a uma lanchonete e pediu um sanduíche, a graça é que ao invés de pedir um X-tudo como consta no cardápio, ele solicitou “um que tivesse tudo”.
Você pode não achar a piada mais engraçada do mundo, mas Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é como se realmente tivessem entregado um filmeiche com tudo: ação, comédia, artes marciais, drama, ficção científica, experimentalismo, debate filosófico, noir, legendas, dublagem, romance, rosquinhas e non-sense para temperar!
A primeira cena foi feita para você sentir a sobrecarga sensorial de coisas demais acontecendo, te dar aquele gostinho de “sou eu quem tem que fazer tudo por aqui!?”. Ali mesmo vão te fisgar e você vai acompanhar a excelente atuação de Michelle Yeoh por 140 minutos como se não demorasse nem 40 para assistir tudo.
Após a última cena, talvez você consiga recuperar seu fôlego um dia, não que o filme seja cansativo, mas é tanta coisa pra ser assimilada ali que será necessário parar e refletir. Refletir sobre o filme, repensar a vida, reorganizar os pensamentos, reordenar as prioridades e, claro, rever o filme.
Em Todo Lugar
O filme tem duas locações básicas, uma lavanderia e um prédio da receita federal, boa parte do tempo de tela é dedicado a esses dois locais. Contudo, flashes de alguns segundos e cenas de poucos minutos compõem o filme abrindo espaço para que todo lugar adentre a narrativa.
É uma repartição pública, mas e se fosse um cinema? E se a saída fosse pelo armário do zelador? E se sua pequena van estivesse cheia de equipamentos nativos da ficção científica? O que fazer se as personagens forem pinhatas tentando conversar enquanto estão penduradas nos galhos de uma árvore?
O filme se passa em todo lugar e nenhum deles têm uma relevância que vá além de servir de fundo para um diálogo, para uma explicação de algo maior, um pano de fundo cuidadosamente gerado para parecer aleatório.
Os personagens são chineses que vivem nos Estados Unidos, isso faz com que elementos da China sejam trazidos para a história e que algumas cenas sejam localizadas lá, o que o torna um fator menos “global” para a história.
Curiosamente, as temáticas da depressão e do relacionamento familiar são tão universais que essas cenas poderiam se passar em quase qualquer outro lugar do mundo e ainda teríamos a mesma sensação de algo que se encaixa muitíssimo bem com nossa realidade.
Ao Mesmo Tempo
A primeira cena do filme já é um excelente exemplo de como tudo acontece ao mesmo tempo nessa história. Recibos para os impostos, clientes chegando à lavanderia, o pai que veio de viagem, a filha que trouxe companhia, tudo para uma mesma pessoa lidar!
Também é uma ótima representação dos tempos atuais onde conversamos com uma pessoa enquanto ouvimos um áudio no celular, a televisão está ligada e ainda dá para ouvir gente brigando no apartamento ao lado, essa é a sensação de ver esse filme: a angústia de ser sobrecarregado com informações a todo instante.
Um dos diretores do filme, ao debater e sobre a vontade de colocar isso no filme acabou sendo informado que tudo isso que ele tentava colocar na personagem seria uma representação de como é uma pessoa com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH.
Poderia ser apenas mais uma pesquisa para realizar um bom filme, mas no meio dos estudos sobre TDAH o próprio Daniel Kwan (um dos diretores) se identificou com os sintomas e buscou ajuda profissional para ser corretamente diagnosticado com TDAH, que belo plot twist!
Nada Importa
Não dá para falar de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo sem falar de niilismo e depressão… Quer dizer, até dá, até porque nada importa, mas digamos que para ser mais completo é conveniente mencionar esses dois temas também.
Todo o multiverso acaba sendo um pano de fundo como eu disse alguns parágrafos atrás, a verdadeira história dessa obra é a depressão de Joy (veja só que ironia, o nome que em inglês significa “alegria”, em alguém com depressão) e a relação com sua mãe, que é responsável por esse estado em várias realidades, especialmente na alpha e na realidade onde a história se passa.
A pressão por ser a filha perfeita que levou à implosão de toda vontade em Joy. A dificuldade de se comunicar com a própria mãe é um problema visto inúmeras vezes no cinema, na literatura e na vida pessoal de muitos de nós, mas aqui a relação entre Evelyn e Joy é mais que geracional, é idiomática, diplomática, geográfica, são as tentativas da mãe de fazer com que a filha adeque-se, contra a própria vontade, aos padrões esperados por todos.
E é esse conflito que leva Joy à depressão e o multiverso à beira do abismo — que aqui olha de volta com olhinhos de enfeite.
É uma pena que nada importe, mas se usarmos os mesmos olhos de enfeite para olharmos pelo lado bom... Já que nada importa, vamos aproveitar o tempo que temos nessa realidade para nos divertimos.
Este artigo foi escrito por Gustavo Borges e publicado originalmente em Prensa.li.