Ucrânia X Rússia: já começou a 3a Guerra Mundial?
Militares ucranianos trafegam em estrada na região de Donetsk, leste da Ucrânia (Foto: Vadim Ghirda/AP)
24 de fevereiro de 2022 já está marcado na história como o dia em que os russos invadiram a Ucrânia, um país livre e independente.
Como tudo no mundo conectado, este evento de proporções catastróficas foi imediatamente compartilhado sob diversas formas nos mais variados meios de comunicação, das redes de televisão às redes sociais.
Sem dúvida alguma, o movimento russo no leste europeu é muito temerário e pode acarretar em desdobramentos nada amistosos no velho continente e no mundo inteiro.
Contudo, é plausível termos medo de uma iminente 3a Guerra Mundial? No Brasil, como esperado, já há, ao menos, uma guerra memeal sobre esse assunto.
Mas o assunto é sério, e precisamos ir às análises factuais.
O conflito na Ucrânia tem a ver com economia
Em oportunidade anterior, pudemos explicar aqui o contexto geopolítico das tensões entre russos e ucranianos. Trocando em miúdos (para não sermos repetitivos), o posicionamento ucraniano de aproximação à Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, chefiada pelos EUA e criada nos tempos da Guerra Fria, não soou bem no Kremlin.
Em franca expansão desde o fim da União Soviética, a Otan chegaria, com a Ucrânia, à fronteira oeste da Rússia, região com maior concentração populacional deste país e linha divisória entre o país de Putin e os demais Estados ocidentais.
Do ponto de vista territorial, uma ameaça às portas dos russos. E isso não agrada a Putin. Seu movimento sobre a Ucrânia é um rechaço à possibilidade deste país, historicamente ligado à Moscou, se aproximar de uma organização hostil aos russos.
Porém, há outros pontos que podem ser observados neste contexto bélico, e um deles é o econômico.
Por que a Ucrânia seria tão estratégica para a Otan? A resposta não é tão difícil, e tem a ver com o fornecimento de gás natural para a Europa. A Rússia fornece quase 50% do gás natural consumido pelo continente, com gasodutos que passam pela Ucrânia.
Contudo, a criação da Nord Stream 1 e 2, que enviam diretamente o gás do território russo para os países europeus pelo mar, pode retirar dos ucranianos cerca de 1,8 bilhão de euros (R$ 10 bilhões) em tarifas de "trânsito" sobre o gás que passa por seu território. A Ucrânia diz que está sendo punida por suas relações próximas com o Ocidente.
MAPA: O chanceler alemão Olaf Sholz suspendeu a aprovação do Nord Stream 2, um gasoduto entre a Rússia e a Alemanha (Fonte: CNN Portugal)
Isso estremeceu as relações comerciais entre os dois países, agravando-se com a aproximação política dos ucranianos com a Otan e a União Europeia.
Os russos chegam a Kiev
Enfim, os tiros foram disparados, e as tropas russas já chegaram a Kiev. Nesse meio tempo, o ministro da defesa da Ucrânia foi à TV instruir a população sobre como fazer coquetéis molotov, como forma de defesa diante da ofensiva do Kremlin.
O pedido desesperado acontece ao mesmo tempo em que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou em vídeo que o país está se defendendo sozinho, sem a ajuda prometida de países como os EUA e a Alemanha.
E é interessante pontuar: não fosse o movimento diplomático da Otan em direção à Ucrânia, prometendo proteção contra os russos, dificilmente o país teria peitado a Rússia.
Segundo Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), “a pressão que há é da Otan, que esteve por trás da queda do governo da Ucrânia, em 2014, colocando uma liderança pró-Ocidente. Agora, eles querem que o país integre sua estrutura. O Putin faz o que qualquer chefe de Estado faria para zelar a segurança do país. Nesse jogo de xadrez, ele fez um movimento importante e, se houver um conflito, terá de ser iniciado pela Otan”.
Tropas russas em Chernobyl (Foto: Sergei MalgavkoTASS via Getty Images)
Há uma complexidade muito maior do que qualquer análise rasa, como podemos notar. E, por mais que os países ocidentais imponham sanções, como os alemães que embargaram a certificação do gasoduto Nord Stream 2, a Rússia possui uma auto suficiência econômica bastante resiliente, com mais de 600 bilhões de dólares de reserva.
Os objetivos russos não são segredo algum: desestabilizar militarmente os ucranianos e colocá-los de joelhos diante da ameaça iminente é um deles. Outro é dificultar e muito as possibilidades de uma aproximação entre Ucrânia e Otan.
Na avaliação do professor Tito Lívio Barcellos, geógrafo e cientista político, Putin quer colocar uma dúvida nas mentes dos líderes ocidentais: "Será que realmente a Europa está disposta, o Ocidente está disposto a ir a uma guerra por causa da Ucrânia? Como os países são movimentados por interesses, esse cálculo existe na cabeça dos líderes europeus, dos líderes americanos."
Não há mocinhos ou bandidos nesse processo. Geopolítica não se faz com heroísmo, mas com movimentações muito bem calculadas.
A 3a guerra mundial vai chegar?
Um conflito de proporções mundiais dificilmente aconteceria.
Putin iniciou suas movimentações sobre a Ucrânia com um acordo embaixo do braço. Tanto que, um dia após as invasões, o presidente russo sinalizou que tem interesse em iniciar as negociações com o governo ucraniano. Em pronunciamento, Volodymyr Zelenski sinalizou uma possível neutralidade ucraniana na questão geopolítica entre Otan e Rússia, o que agradou ao Kremlin.
Sem sombra de dúvidas, os objetivos almejados por Putin serão atingidos, sem uma reação temerária por parte da Otan. Uma guerra mundial não está no radar de nenhuma nação contemporânea.
Primeiro, porque ela faria mal aos negócios. Segundo, porque isso significaria um problema que se estenderia por décadas à frente.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.