Um auxílio consagrado a demônios
Todos sabem da ampliação do Auxílio Brasil e sua perspectiva eleitoreira por parte desse governo que aí está. Assim como a possibilidade – aprovada na câmara dos deputados, é bom que se diga – de liberação de empréstimos consignados para os beneficiários. Dito isto, façamos algumas considerações:
O Auxílio, seu desenho, destrói a dinâmica de política pública em benefícios dessa natureza. O que vemos, apesar do valor maior (até o fim do ano), é: a fila - falta de estrutura - de pessoas aguardando os recursos; a distorção - falta de critério - na entrega destes. Famílias maiores recebem o mesmo valor que uma pessoa.
Foi aprovado em sessões solenes, com votos até da oposição, amarrada entre a inatividade do governo e a situação calamitosa por ele causada. Incapaz de fazer pressão efetiva, a oposição parlamentar pouquíssimas vezes incumbiu derrotas à gangue miliciana no planalto.
O pacto diabólico, ou a possibilidade de consignação do auxílio por instituições financeiras, foi edição de medida provisória do governo. Nem se trata da “mente brilhante” de algum parlamentar financiado por grandes bancos, o próprio governo colocou os pobres na encruzilhada.
O infortúnio serve ao interesse de turbinar o “eleitoralismo” do auxílio. Com a medida aprovada, daria tempo de os beneficiários sacarem até dois mil reais a um mês da eleição, arcando com o pagamento do empréstimo apenas após o pleito.
Os juros são da marca de 80%, podendo abocanhar até quatrocentos reais mensais dos seiscentos entregues a famílias em vulnerabilidade extrema. O auxílio acaba de atingir 20 milhões de beneficiários.
Lembramos que recebem o auxílio pessoas de rendimento mensal de 0 a 100 reais; e que, pelo menos, 30 milhões de pessoas passam fome no Brasil agora.
Contudo, a ordem do dia do gerente-geral do inferno assustou até as sucursais financeiras, cujas alas criativas vivem de bolar tramoias extorsivas para bolsos alheios.
É um negócio de zero risco a essas partes. O Auxílio cai na conta independente de dilúvio, seca, queimada ou tiroteio.
A situação fica complicada para quem está contraindo dívida pra pagar a janta. Pode ser que alguém precise mesmo de mais dois mil, no momento, para sobreviver, sem poder pensar em depois da eleição. A culpa não deve ser imputada a estes, mas àqueles.
Depois dizem que o mal do pobre é não saber “ter visão” e “tomar risco”, nem "mudar o mindset". Risco desse tamanho nem Warren Buffet aceitaria.
Agora, uma coisa que parece interessante nisso tudo é que instituições financeiras não aceitam “não ganhar dinheiro” do nada. Depois dos últimos três anos e meio, é difícil acreditar em súbita crise de consciência de quem está lucrando como nunca.
Não existe “ética protestante” no espírito do capitalismo de graça.
Esse recuo dos donos do dinheiro em relação aos empréstimos consignados corresponde a uma pressão da sociedade. O avanço da medida pode representar mais desgastes do que a perspectiva de lucro.
Os bancos poderiam ficar sob foco da discussão pública no final do ano, em pleno pós-eleição, quando começariam as cobranças das parcelas, e ninguém sabe o que vai acontecer.
A pressão de grande parte da sociedade por demonstrações de filiação democrática tem “arrancado” mais do que esse recuo - se estende às recentes subscrições em Cartas Democráticas.
Essas manifestações, ainda que tímidas frente ao desafio que enfrentaremos como nação, revelam mais: até o grande capital percebeu que uma reeleição do energúmeno da República, pela existência, representa mais problemas do que qualquer política favorável.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.