Um Chaplin Sem Chapéu Coco
No último filme estrelado e dirigido por Charles Chaplin - e um dos quatro onde atua falando - temos o gigante da comédia no auge da maturidade, contando uma história muito particular que narra a história de um imigrante (forçado) que ruma à Terra da Liberdade e encontra algo bem diferente. Uma alegoria e antítese de sua própria chegada à América cerca de quarenta anos antes.
Em "Um Rei Em Nova York" (A King In New York, Reino Unido, 1957) o Rei Igor Shahdov escapa da revolução em seu país, a Estróvia. Deposto, ele resolve se exilar na América com parte do valioso tesouro da realeza. Mas ao chegar a Nova York descobre que foi roubado por um político de seu governo e fica completamente sem dinheiro, mas com a fama por ser um ex-monarca ele acaba fazendo comerciais de TV e publicidade, para se sustentar e manter as aparências e o estilo de vida sofisticado.
Certo dia, ao ser convidado para visitar uma escola, ele acaba conhecendo o jovem Rupert (Michael Chaplin), um menino de dez anos cujos pais são comunistas. Quando eles são presos por sua ideologia política, é o ex-rei que o acolhe em sua casa. O governo americano logo acusa Shahdov de também ser comunista e ele corre o risco de ser condenado.
Realmente é impossível dissociar a figura de Chaplin de seu famoso personagem, Carlitos, com seu paletó puído, sapatos furados, chapéu coco, bengala de bambu e um sorriso cativante. Tanto que o ator, comediante e cineasta levou muitos anos para se livrar dele.
Em seus últimos filmes como ator principal, ainda era possível vermos uma coisa ou outra do adorável vagabundo que deixou de existir definitivamente quando Charles deixou os Estados Unidos e passou a viver em Londres e depois, na Suíça. São bastante conhecidos os episódios em que Chaplin foi acusado de ser um "gauche" e passou a ser perseguido institucionalmente dentro daquela atmosfera que crescia na paranóia do mundo pós-Segunda Guerra.
É realmente difícil saber quando tudo começa, mas, sem sombra de dúvidas, as claras mensagens contidas em "Tempos Modernos" de 1936, podem ser consideradas como estopim. Chaplin nunca declarou um posicionamento político binário, mas sua sensibilidade sabia enxergar as distorções da vida cotidiana.
Afinal, um vagabundo de rua é uma anomalia dentro de qualquer sociedade que se julgue desenvolvida. Como cineasta e roteirista de seus filmes, ele sempre abordou tais temas dentro de um contexto onde a ternura adocicou essas situações, mas a medida em que era provocado, Chaplin passou a responder na sua obra de maneira cada vez mais cínica.
Em 1952, após uma viagem ao Reino Unido, Chaplin tomou conhecimento de que seu visto de imigração que permitia que vivesse nos EUA seria revogado e nem retornou. Vendeu sua participação nos estúdios da United Artists e foi gozar de sua fama e fortuna na Europa. Seu retorno ao cinema ocorreria cinco anos depois, grisalho e com textos ágeis de comédia na ponta da língua.
"Um Rei em Nova York" foi filmado em Londres, num Estúdio local e dentro de um esquema bem diferente do que Charles estava habituado, com certas precariedades e poucos recursos. Como não ambientar bem que o Rei está em NY, ou mesmo na sua Terra Natal, a fictícia Estróvia.
A cena inicial mostra apenas um plano fechado de muitas pessoas derrubando um portão do palácio, representando a tal revolução. As cenas da cidade, são claramente imagens de arquivo inseridas em momentos pontuais no filme, mesmo a direção de arte na cenografia falha em tentar trazer a atmosfera da metrópole. A maior parte das cenas se passam dentro dos ambientes fechados da história, há poucas tomadas em externas.
Dentro de uma comédia onde o texto é o forte, Chaplin ainda insere alguns gracejos de comédia física, que estão bem aquém do melhor que já havia feito em outros momentos. Ele se preocupa mais em satirizar temas em voga naquele tempo, como energia atômica, a publicidade televisiva e os rumos do próprio cinema americano, mas, mais uma vez, sem tanta inspiração.
Mas há pontos fortes no filme, quando ele conhece o garoto Rupert, interpretado por Michael, seu filho na vida real. Rupert é um garoto precoce que vive a repetir conceitos inteiros do Marxismo toda vez que é confrontado, essas inserções propositais são extremamente interessantes. Talvez o espectador se decepcione um pouco, se espera uma comédia rasgada. Mas pode se entusiasmar pelo interessante documento histórico que o filme acaba sendo.
"Um Rei em Nova York", foi rodado no auge do Macartismo, um período negro da História norte-americana no auge da Guerra Fria, onde pessoas foram perseguidas, presas, impedidas de trabalhar, tiveram suas reputações jogadas no lixo, onde a "deduragem" era a regra do dia.
Talvez este seja um dos poucos filmes dentro daquele período, senão o único, que tratou do tema diretamente. Muito mais do que isso, é um escracho na medida que o que foi feito em " O Grande Ditador ", uma prova inequívoca da mente antenada de Chaplin dentro das mazelas criadas pela política naquelas conjunturas.
O filme, naturalmente, não foi exibido nos EUA, devido a uma auto-censura do próprio cineasta que não desejava ser visto como um revanchista. Mas nem precisava, o filme seria censurado pela dita democracia se tivesse chegado por lá em vias normais de mercado.
Ainda que pouco inventivo, "Um Rei em NY", é certeiro quando sabemos o que esperar dele. É a expressão de um homem que sempre esteve atento ao ser humano e nunca deixou se importar. É um filme de um exilado que pagou o preço por dizer o que pensava dentro de um ambiente autoritário, paranóico e intolerante. Como um preso político que exibe com orgulho os grilhões, pois eles são advindos de sua inflexão, talvez se possa perdoar as precariedades dos cenários, das externas, etc.
Afinal, eram cenas de um país onde ele viveu por décadas, o manteve com seus impostos e naquele momento impedia que ele retornasse. Imperfeições decorrentes da injustiça que prejudicaram a sua maneira de criar como estava acostumado, mas que ainda assim, não puderam impedi-lo de se expressar. Um bom filme para entender esse tempo presente onde tudo parece igual àquele passado detestável.
Este artigo foi escrito por Marcelo Pereira e publicado originalmente em Prensa.li.