Um estado físico e sentimental abstrato
Há alguns anos atrás, adentrei no lugar mais inóspito e hostil possível para a vida humana, ou impossível.
Esse lugar não era material e tampouco se encontrava em coordenadas geográficas no espaço.
Tão curioso e incomparável, não me restam nomes além de chamá-lo por "aquele lugar".
Foi em 24 de junho de 2013, uma tarde de São João, em que ganhei uma passagem só de ida para a pior época da minha não tão madura vida.
Me perdoa, caro leitor, se eu transmitir-te os fatos que se sucederam de forma pouco consistente ou enevoados.
Em verdade, nunca consegui achar uma resposta sólida para o horror que me cometeu. E creio não haver motivo válido para que eu fosse jogada em profundezas tão abissais de desespero.
Mas os humanos não são sólidos, são voláteis e complexos. Suas ações, quando realizadas por seres sem escrúpulos, são malignas e deturpadas.
Por mim não é conhecida a razão para a falta de escrúpulos daquele ser, mas suponho se tratar de uma negligência familiar.
Uma forma de vida maligna é capaz de corromper dezenas de outras, contudo não há quem tente cessá-la.
Ocasionalmente, tratamento é indicado a vidas perdidas, mas nunca se chega à raiz do mal. O mal nunca é tratado.
Eu fui afetada por forças malignas pela primeira vez naquele dia de São João. Fazia frio e ventava no pátio vazio, e em algum tempo eu experimentaria sentimentos de vazio inéditos.
Talvez a crônica esteja confusa e de difícil digestão para o leitor, mas para mim também estava.
Gastei longas horas e dias imóvel em reflexão, procurando quaisquer que fossem os motivos.
Por que eu, uma alma inocente e promissora, fora tão abruptamente arrastada para aquele caos?
Lembro daquelas paredes, para as quais olhei por horas a fio. Elas eram geladas. Meu corpo estava gelado.
Esse era o início dos piores anos de minha jovem vida.
Não consigo distinguir aqueles dias. Foram tão eternos e tão iguais. Pensamentos dos quais não lembro, justificações as quais não devia ter dado.
Em algum momento, perdi qualquer vestígio de sentimentos que meu corpo poderia ter tido um dia.
Se morresse naquele instante, os legistas nada detectariam, e assim eu seria considerada uma casca vazia desde minha concepção.
Entretanto, não posso distinguir quando em meio a tantos dias esse momento chegou.
Dei por mim apenas no instante em que saí daquele estado anestesiante de meditação. E então já estava naquele lugar.
A meditação e a autorreflexão são altamente recomendadas como práticas das mais saudáveis para se reencontrar e buscar paz.
Imagina, leitor, o estado em que eu devia de estar para que meus pensamentos me guiassem a um lugar tão nefasto.
A lavagem cerebral que me levou a tal estado tão deplorável de certeza havia sido muito bem implementada.
Talvez eu mesma não me recorde tão bem daqueles dias por meus pensamentos não terem partido de mim mesma, por estar sendo controlada.
Ou, talvez, não fosse de tão proveito para minha mente que eu me lembrasse daquelas ideias danosas.
O fato é que despertei em um lugar sombrio em um mundo amaldiçoado, no qual vaguei por longos anos.
O lugar, que existia e não existia ao mesmo tempo, se assemelhava a uma outra dimensão.
Vazio, frio. Aquele lugar trazia à tona o pior de mim.
Eu não comia, eu não saía da cama, eu não me aquecia e tentava constantemente me machucar. A minha mente estava perdida, em algum lugar ao longe.
Em algum lugar no espaço tempo, a minha consciência estava aprisionada. Refém, eu era privada de meus desejos, sonhos, vontades e dignidade.
Sentir nada é uma sensação inquietante e difícil de transmitir. É, talvez, o mais perto da não existência que possamos conhecer.
Não sentir é agoniante. E também é não ligar para a agonia. É não ligar, realmente, para coisa alguma.
Em alguns momentos daquela experiência pútrida, deixei de sentir nada para sentir tristeza.
A tristeza era profunda, diferente. Uma sensação símil a ser consumida de dentro para fora por larvas.
Não sentindo mais a emoção de viver, me restava apenas a dor, a qual eu tentava me infligir.
Depositando toda a culpa sobre mim mesma, eu sentia a necessidade de me punir, o que se tornava uma tortura sem fim a medidade que eu precisava sentir dor.
Aqueles anos foram ultrapassados, mas não digo que superados. Em algum momento de 2019 achei e irrompi por uma saída daquele lugar.
O meu tempo de sobrevivência, rastejando pelo chão áspero daquele universo estranho, é surpreendente.
As sequelas daquela época me perseguem até hoje, e a tendência à autopunição nunca me abandonou.
Um medo me atormenta, e preciso viver com ele: o medo de voltar para aquele lugar, possivelmente, o inferno.
Imagem da capa - Uma mulher em profunda tristeza — Malicki M Beser via Unsplash
Este artigo foi escrito por Jhully Gabriele Barros e publicado originalmente em Prensa.li.