Um Match Surpresa brinca com nosso vício em Apps de encontro
Final de ano chegando e junto aqueles filmes de natal, que amamos ou não, que a Netflix começa a lançar ainda no mês de novembro. A propósito, este ano o serviço de streaming prometeu que teremos 28 novos títulos natalinos em seu catálogo, com estreias semanais a partir do dia 1º. Dito isso, na última semana já tivemos uma ideia do que vem por ai, entre elas Um Match Surpresa, longa estrelado por Nina Dobrev, Jimmy O. Yang e Darren Barnet.
Sinopse
“Depois de encontrar o match perfeito, uma escritora decide atravessar o país e surpreender o pretendente no Natal, mas quem leva uma surpresa é ela.”
Confesso que fiquei surpresa com o fato de ter gostado do filme, já que esse tipo de história não apresenta muitas novidades, pois, a gente já sabe que os dois vão ficar juntos desde o primeiro momento do filme. Ocorre que o que me chamou a atenção foi a abordagem escolhida, dado que se não podemos fugir dos clichês, por que não explorar justamente essa característica das comédias românticas que amamos durante anos?
Assim foi trabalhando nossa relação com aplicativos de namoro e expectativas românticas que o filme acerta e se torna interessante. Isso não significa que o longa seja uma obra de arte que merece ganhar um Oscar por sua criatividade e inovação, longe disso. Mas o filme cumpre seu papel de entreter sem pretender criar grandes reflexões. Afinal esse nem é o objetivo.
Natalie, personagem de Nina Dobrev, é uma mulher que usa os Apps de relacionamento para encontrar um parceiro, entretanto, todos os seus encontros são ruins por motivos diversos. Agora você deve estar se perguntando, se todos os encontros são péssimos por que ela não desiste? Porque ela escreve sobre seus encontros fracassados. Aliás, a persona que ela criou é a mais acessada no site de entretenimento que trabalha. Por isso, seus encontros precisam continuar fracassando, dado que seus leitores esperam que isso aconteça.
No começo do filme Natalie fala sobre como se sente em ter que participar de tantos encontros ruins. Ainda que seja menos danoso para sua saúde mental e autoestima sair cassando nas redes sociais por histórias fracassadas de outros. Ou pedir para as pessoas enviarem suas experiências de encontros frustrados. Porém, não vamos entrar nessa discussão.
Ao conhecer Josh, Jimmy O. Yang, Natalie acredita ter conhecido o match perfeito e decide fazer uma surpresa. Aparecendo na casa do boy de surpresa no natal. Uma péssima ideia! Já que ao chegar à cidadezinha descobre que Josh mentiu em seu perfil do aplicativo. Se tivesse assistido um episódio de Catfish teria se poupado de tamanho desgosto.
Acontece que Josh ficou envergonhado com o que fez resolve ajudar Natalie a conquistar o cara das fotos, dado que conhece muito bem as preferências de Tag, Darren Barnet, o indivíduo de quem roubou a biografia.
Expectativa X Realidade
A primeira temática do filme é sobre a necessidade de criar uma persona nas redes sociais para agradar. Uma vez que nas redes todos parecem felizes e bem-sucedidos. O problema é tão grave que a obsessão pelos filtros está desenvolvendo uma geração de pessoas que não se reconhecem na vida real. Pois, esperam parecer com a imagem compartilham em suas timelines.
Essa preocupação sem precedentes com a autoimagem que está influenciando a percepção de si mesmo dos indivíduos se chama Dismorfia do Snapchat (ou Transtorno Dismórfico Corporal). Desordem que está aumentando a quantidade de pessoas que buscam por intervenção cirúrgica para adequar sua imagem real àquela postada nas redes sociais.
O que isso tem a ver com o filme? Tudo, pois Josh criou uma embalagem mais interessante para chamar a atenção das pessoas, mesmo que o seu conteúdo seja melhor que o original. Afinal de contas, assim que se encontram é obvio que Natalie e Josh são perfeitos um para o outro. Porém, suas expectativas atrapalham essa percepção, além das mentiras contadas por ele. Que deixou Natalie furiosa e com todo direito!
Além do mais, o arranjo de Josh para corrigir sua mancada também não ajudou muito.
Mudar para atender as expectativas do outro
Quando aceita participar do plano de Josh para conquistar Tag, Natalie precisa mudar sua personalidade para chamar a atenção do montanhista. Tendo que esconder em diversos momentos a forma como encara a vida. Coisa que leva um tempo para ela perceber que estava fazendo, assim como para compreender o quanto é prejudicial para si mesma. Imagina ter que fingir ser outra pessoa 24 horas só para se adequar?
Acredito que nesse momento tem um monte de gente pensando que isso faz parte da vida, que ninguém é o que realmente parece, que ninguém está interessado no nosso verdadeiro eu, que faz parte do jogo, entre outras coisas que contamos para nós mesmo para não ficar mal.
No entanto, vamos refletir um pouco. Vocês acreditam mesmo que tudo bem fingir ser outra pessoa? Se isso fosse verdade não teria tanta gente fazendo terapia e tantas outras que deveriam começar a fazer urgentemente!!!
É tudo sobre expectativas. Ou o quanto temos expectativas reais, não as plantadas em nosso subconsciente pelos conteúdos audiovisuais. Já que Hollywood é responsável por grande parte de nossas frustrações. Entre elas a de que vamos encontrar alguém para nos completar, como as comédias românticas nos fizeram acreditar por décadas.
O interessante do filme é mostrar que estamos começando a questionar essa ideia. Ainda que o longa só trabalhe com personagens padrões. O importante é que estamos entrando nessas discussões.
Também não precisamos esquecer que o objetivo é lucrar com essas narrativas, por isso, não dá para exigir tamanha desconstrução da indústria do entretenimento. Afinal um filme tem como premissa levar pessoas para os cinemas, nesse caso garantir que continuem pagando a assinatura. Que, aliás, no caso da Netflix está bem pesadinha!!!
Enfim, quem está buscando um filme natalino leve, mas que provoque reflexões eu super indico Um Match Surpresa. Afinal de contas, se for para chorar com a realidade já temos os jornais da tarde da Record e Band prestando esse serviço sem culpa nenhuma.
Este artigo foi escrito por Kika Ernane e publicado originalmente em Prensa.li.