Um Milhão de Finais Felizes: os altos e baixos de ser LGBTQIA+ no Brasil
Um livro que superou minhas expectativas e me fez enxergar a vivência LGBTQIA+ com mais cuidado. Um Milhão de Finais Felizes, é o segundo livro de Vitor Martins, publicado pela editora Alt e conta a história de Jonas, um garoto de 19 anos que mora em Santo André, ama escrever e está passando por uma baita crise de identidade.
O que percebi logo nas primeiras páginas, é que Jonas é gente como a gente. Cheio de frustrações, dúvidas sobre a vida e carreira e muitos sonhos. Sua mãe é cozinheira e seu pai administra uma loja de construção, e como toda família tradicional brasileira, a família de Jonas vive sob as normas cristãs e conservadoras.
Esse é justamente o cerne de todas as questões que afligem o coraçãozinho do jovem Jonas. Ele é gay, seus pais não sabem e ele precisa lidar todos os dias com a culpa cristã.
A culpa cristã
Quem cresceu em um lar evangélico, deve saber bem do que estou falando. A culpa cristã é aquele medo inexplicável de decepcionar Deus e a família por ser minimamente diferente do que se espera. No caso do Jonas, é sua sexualidade e o fato de não atender às expectativas do que é ser um homem na sociedade.
No decorrer do livro, essa pauta é levantada constantemente. Jonas nem mesmo consegue se abrir com os pais, e em dado momento percebe que não os conhece de verdade e nem eles o conhecem.
Até aí tudo bem, no entanto, seu pai é agressivo, machista e autoritário, causando brigas e discussões frequentemente. Sua mãe é a típica dona de casa que não pode atrasar o jantar um minuto sequer, ou seu marido causará problemas.
Jonas não se sente em casa dentro de sua própria casa. Essa é, infelizmente, a realidade de muitos jovens brasileiros.
O despreparo das famílias ao lidar com parentes LGBTs
Uma realidade que caminha para a mudança e o avanço, mas que ainda é muito dura para boa parte dos jovens LGBTs. Se assumir para a família é cruzar uma linha que pode transformar uma vida para sempre.
Até a decisão ser tomada, essa culpa e medo acompanham os jovens por anos, impactando diretamente na autoestima, confiança em si mesmos e na própria relação familiar.
Família que escolhemos
É então que Jonas encontra nos seus amigos uma verdadeira família para se apoiar, criar laços afetivos profundos e trocar conselhos e experiências de vida. É o que chamamos de rede de apoio, tão importante para comunidades que dividem a mesma luta.
A rede de apoio de Jonas é formada por sua colega de trabalho Karina, uma mulher gorda com ascendência asiática que sonha em ser atriz. Ambos trabalham no Rocket Café na Paulista e se aproximam cada dia mais no decorrer do livro.
Dan e Isabella são amigos de infância e do colégio que Jonas carrega até hoje. O trio inseparável que viveu poucas e boas na adolescência, hoje lida com as barras da vida adulta.
Dan é gay, preto, dançarino e foi adotado pela sua família quando bebê. É a estrela do grupo, sabe fazer entradas dramáticas e ama karaokê. Está em busca de um emprego como dançarino e sempre tem as melhores dicas de relacionamento.
Isabella é lésbica, estuda jornalismo e ama bandas de rock alternativas que ninguém conhece. Durona, odeia bebidas doces e não se entrega facilmente ao amor.
E para completar: Barba ruiva. O cara mais gato que já entrou no Rocket Café e inspirou Jonas a escrever Piratas Gays.
As primeiras vezes
Diferente de um casal hétero que anda de mãos dadas livremente na rua, troca carícias e afetos sem preocupações, para um casal LGBTQ+, as primeiras vezes são eventos marcantes.
E quando digo primeira vez, não são só os primeiros beijos ou primeiro contato íntimo. Mas coisas simples como pegar na mão, tirar uma foto de casal em público, dar um selinho, abraçar… Quando a sua segurança está em jogo, fazer coisas pela primeira vez ganha outro sentido.
É o que Jonas passa a vivenciar no decorrer do livro, já que é virgem e só beijou três pessoas na vida. Se relacionar pela primeira vez sendo gay no Brasil é uma verdadeira montanha russa de sentimentos.
Pequenas conquistas e que mesmo quando já aconteceram uma vez, todas as próximas são como a primeira vez. Afinal, nunca se sabe como as pessoas ao redor irão reagir e como você será recebido nos lugares.
Representatividade importa
Um Milhão de Finais Felizes é um livro repleto de diversidade, pessoas diferentes com lutas diferentes, que se encontram na mesma luta pela visibilidade.
O livro em si já desempenha um importante papel para milhares de jovens, que é a representatividade: se reconhecer em personagens, histórias e ter em quem se inspirar.
E claro, tudo isso com muito humor, referências POP como High School Musical, Teen Wolf e The Sims e muitos diálogos engraçados.
Uma leitura maravilhosa para adolescentes que estão se encontrando e precisam daquela dose de motivação para ir em busca de seus sonhos, tendo coragem de ser quem são.
Este artigo foi escrito por Bruna Teixeira e publicado originalmente em Prensa.li.