Uma alternativa para a transição energética
Do descaramento presidencial na sabatina do Jornal nacional, terça-feira passada, na Rede Globo, poderíamos falar de muitas coisas. A completa falta de empatia com vidas sufocadas pela Covid, o clássico silenciamento da fome, o caminhão de mentiras.
Mas recolheremos uma informação para desdobrar aqui, na tentativa de transformar pelo menos alguma coisa num debate, de preferência num terreno onde não domine o indigesto da república: no caso, o cinismo.
Em determinado momento, no bloco sobre meio ambiente, o entrevistado comenta, de passagem, o “hidrogênio verde” como alternativa de combustível.
Partindo do pressuposto que o cara-pálida saberia falar tanto sobre o assunto quanto consegue falar de nióbio – ou seja, só o nome da coisa - vamos aqui explicar um pouco sobre o que é e qual sua possibilidade para pensar a transição energética.
Hidrogenando a mente
O hidrogênio é o composto químico mais abundante no planeta. O encontramos em diversos lugares, da água até o carvão. Contudo, o nosso querido “H” é mais carente que fim de festa sem beijo na boca; só o encontramos na natureza ligado a outras moléculas – como o oxigênio, na água.
Por isso, até bem pouco tempo, era inviável pensar abastecimento de energia com hidrogênio. Mas é inegável seu potencial.
O sol existe de fusões nucleares de átomos de hidrogênio que, a uma temperatura de 100 milhões de graus, se transformam em Hélio, liberando energia suficiente para aquecer na medida um certo planeta a 150 milhões de quilômetros de distância.
Manipular técnica parecida pode ser uma alternativa, não só pela energia gerada, mas pela baixa poluição que, aparentemente, produz.
A princípio, produzimos hidrogênio em dois processos: a base de combustível fóssil e eletrólise de água.
O fossilizado não interessa à transição energética, uma vez que mantém a queima de carbono.
O sistema de eletrólise de água é a decomposição dos compostos químicos da água através de correntes elétricas. O que torna, ainda, a produção em massa muito cara. Mas existem projetos de pesquisa tentando baratear esse custo.
No Brasil, os projetos de hidrogênio verde estão ligados aos do etanol, pois a água usada na produção da cana pode servir à eletrólise. Essa é uma forma possível de baratear custos e impactos da proposta.
O grande “x” da questão é, mesmo, como ganhar escala. Com essa etapa vencida, setores industriais inteiros podem produzir sua própria energia, bem como convertê-la para os transportes.
Motores de carros elétricos, além de mais eficientes que os movidos a combustão, podem utilizar hidrogênio.
Acontece que desenvolver o processo de eletrólise e, assim, baratear os custos, demanda altos investimentos iniciais sem visibilidade de retorno. Por isso a dificuldade de avanço.
O Estado, na prática, é o único que consegue garantir alto investimento por longo período sem expectativa de retorno imediato. Depois de desenvolvida a tecnologia, as empresas comercializam.
Foi assim com a internet e vem sendo com a exploração espacial, inclusive.
Se o Brasil quiser entrar no clube, deve fortalecer a educação, da básica à superior, para ter mão de obra qualificada, e investir pesadamente em complexos químicos para pesquisas em hidrogênio.
E isso não acontece da noite para o dia. São anos aprendendo até ter domínio da tecnologia.
O cenário global se oferece ao Brasil, esperando sua apoteose. Não há país mais estratégico, do ponto de vista das potencialidades, para pensar modelos de transição energética e oferecer ao mundo possibilidades. Falta vontade de fazer.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.