Uma mãe preta no Rock n'Roll
Capa do álbum "Sister Rosetta - The original Soul Sister" (2002)
Da longínqua cidade de Cotton Plant (literalmente, “plantação de algodão”), no estado do Arkansas, veio ao mundo, em 20 de março de 1915, uma das pioneiras do Rock n’ Roll. Seu estilo inconfundível ao tocar guitarra, com solos absurdos e uma distorção de tremer os tímpanos da audiência, marcou o engatinhar da vertente musical que, anos depois, consagraria Chuck Berry, Elvis Presley e os Beatles.
Seu nome é Rosetta Nubin, mais conhecida como Sister Rosetta.
Por décadas, o silenciamento em torno do seu pioneirismo no Rock escondeu sua imagem sob o Gospel, estilo de música popular atrelada aos cultos religiosos. Claro, sem dúvidas, Rosetta foi uma expoente desta vertente musical, bem como do Jazz e do Blues.
Pensar estes 3 estilos pode parecer algo estranho. Como alguém poderia tocar Gospel e, ao mesmo tempo, meter um Jazz sincopado, fazendo todo mundo dançar no salão, ou um Blues pesado, carregado de emoção?
O x da questão está aí: todas as vertentes musicais que mencionei até aqui possuem uma raiz profunda, entranhada na cultura negra norte-americana nos tempos da escravidão.
Dos campos de algodão para os palcos
O Rock n’Roll é neto do Blues, uma vertente musical nascida do sangue e do suor de homens e mulheres, negros e negras, que trabalharam arduamente nos campos de algodão dos escravagistas norte-americanos.
Durante as jornadas de coleta dos algodões nas vastas plantações dos escravagistas, estes trabalhadores ritmavam seu serviço por meio de cânticos e batidas de pé, ora cantando as dificuldades do seu cotidiano, ora rendendo louvores ao deus cristão protestante, fé da qual participavam após longo período de imposição religiosa europeia.
Escravos trabalhando em uma plantação de algodão (Crédito: Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons)
Fora dos campos, e principalmente após a abolição da escravatura, os afro-americanos praticavam seu Blues em suas casas, acompanhados de um violão de cordas de aço, ou em reuniões religiosas, onde o ritmo virava um louvor ainda mais alto. É nesse contexto que o Gospel nasce.
As vozes poderosas que ritmavam o trabalho nos campos, nesses cultos, conduziam as preces.
Na virada do século XIX para o XX, o aumento da população urbana foi acompanhado pelo êxodo rural nos EUA. Boa parte dos jovens negros, nascidos libertos, rumaram para a cidade em busca de emprego.
Neste contexto urbano, o Blues clássico adquiriu uma nova configuração: mais rápido, recheado de contratempos e um novo gingado, ele se transformou no Jazz, uma vertente urbana da tradição negra rural.
Rapidamente, o Jazz tomou conta dos bares e salões, atraindo um público mais amplo, em parte vindo das classes médias brancas. Até os anos 1940, este processo atraiu músicos brancos para as bandas tradicionalmente negras, em especial no berço desta vertente musical, a cidade de Nova Orleans.
Do Jazz/Blues ao Rock
Há uma narrativa corrente de que o Rock teria sido inaugurado em 1951, com a gravação da música “Rocket 88”, de Jackie Brenston, saxofonista de renome em seu período, tocando para outro grande artista, Ike Turner. A inovação estaria na mistura entre o Blues e o Country, originando um estilo mais rápido.
Contudo, há controvérsias. E uma vez mais, vamos falar de Sister Rosetta!
Sister Rosetta nos anos 1940 (Créditos: Charles Peterson/Getty Images)
Em 1944, ela lançaria a música “Strange Things Happening Every Day”, um marco importante para o nascimento daquilo que chamaríamos nas décadas posteriores de Rock n’ Roll.
Rosetta Tharpe tinha um estilo único segurando a guitarra. Dos seus dedos, facilmente, acordes e solos virtuosos enchiam a harmonia das músicas.
Ouça:
Sister Rosetta Tharpe-Strange Things Happening Every Day
Há, contudo, quem levante uma outra canção de Rosetta como precursora do Rock. Aos 23 anos, Tharpe faria sua primeira gravação oficial. Entre as 4 músicas performadas estava “Rock me”, que seria a pedra fundamental do novo estilo, inclusive servindo de batismo para seu nome.
Ouça:
Lucky Millinder/Sister Rosetta Tharpe-Rock Me
Mulher, negra, filha de catadores de algodão, musicista desde os 4 anos de idade, Sister Rosetta era conhecida como "Little Rosetta Nubin, the singing and guitar playing miracle" (a cantora e guitarrista miraculosa). Ao lado de sua mãe, fazia apresentações pelas igrejas no sul dos EUA.
Crescida, casou-se com o pastor Thomas Thorpe, de quem receberia o nome “Tharpe”, grafado erroneamente.
Nos anos 1940 ela iniciaria sua carreira musical oficialmente, gravando a música que, como mencionamos, seria a pedra fundamental do Rock n’ Roll.
Fez sucesso, influenciou diversos outros artistas e levou sua música por uma turnê na Europa, a última de grande vulto, nos anos 1960.
Após sofrer um derrame cerebral e amputar uma perna em decorrência da diabetes, Rosetta se retirou dos palcos, vindo a falecer em 1973. Enterrada em um túmulo sem identificação, a grande artista sofreria da indiferença da sociedade racista estadunidense em seus anos derradeiros.
Contudo, em 2008, uma campanha de arrecadação de fundos conseguiu dar uma lápide à Sister Rosetta, devolvendo-lhe a dignidade mais que merecida. As homenagens não pararam por aí: o dia 11 de janeiro tornou-se o “dia de Sister Rosetta” na Pensilvânia, e um marco histórico foi colocado em sua antiga casa em Yorktown, Philadelphia.
(Créditos: Getty Images)
Onde um solo de guitarra estiver sendo feito, onde uma voz potente estiver sacudindo o público, onde o Rock n’ Roll estiver sendo tocado, lá estará a memória eterna de Sister Rosetta!
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.