Velocidade da luz. De verdade.
Na ficção científica, percorrer grandes distâncias no espaço nunca foi problema. A Millenium Falcon tem seu hyperdrive; a Enterprise, usa velocidade de dobra; a Tardis, consegue se materializar entre dimensões. E até a Coração de Ouro, com seu drive de improbabilidade, chega a qualquer canto instantaneamente (nem sempre onde se pretendia).
Porém, na vida real, a coisa é bem diferente. Nossas naves mais rápidas são carroças perto destas. Para se ter uma ideia, a nave terráquea mais distante no momento, a Voyager 1, está a mais ou menos a 23 bilhões de quilômetros de casa (e afastando). O detalhe é que a viagem começou em 1977! A Enterprise faria isso em dois ou três dias!
Mas como, pergunta você? Simples, explico eu: tanto o hyperdrive da nave de Han Solo, quanto a velocidade de dobra da nave de James Tiberius Kirk, resumindo de maneira simples e porca, dobram o espaço e o tempo em sua volta, encolhendo-o à frente e dilatando atrás. É formada uma bolha que lhes permite avançar além dos limites da física do dia a dia.
Na prática a teoria é outra
Ah, assim até eu, diz você, isso aí é tudo ficção científica. Então, digo eu, já quase me exaltando: não! É ficção, mas tem bases reais. E muito sérias. Albert Einstein já tinha dado as primeiras explanações sobre isso, e foi de onde ambas histórias tomaram inspiração. Porém, tudo ficou mais divertido quando um físico mexicano, Miguel Alcubierre, propôs, em 1994, um modelo matemático batizado, modestamente, de Dobra Alcubierre. Que admitiu ter se inspirado em Star Trek.
Ok, em teoria, sabemos que dá pra fazer. Na prática, a nave precisaria dispor de zilhões de energias pra fazer o troço funcionar. A coisa é tão exótica, que parte dos físicos chamou esse tipo de energia de matéria exótica mesmo. Ok, coloco as mãos no bolso e vencido saio, não vai dar pra fazer!
Os cofres foram abertos
Só que tem gente disposta a provar que sim, dá para fazer. E se eu lhe contasse que uma organização está investindo rios de dinheiro justamente pra provar que será possível, em menos tempo que imaginamos, viajar por aí sem lenço, sem documento, quase na velocidade da luz?
Representação gráfica da nave planejada pela LSI. Design inspirado! | Reprodução: Limitless Space Institute
A iniciativa partiu do Limitless Space Institute, que vou chamar aqui de LSI. O nome em inglês deixa clara a pretensão: “espaço sem limites”. Todo o plano está na cabeça (e nas mãos) de Harold White, físico e ex-pesquisador da NASA, e também de Brian Kelly, ex-astronauta. A ideia não é nada modesta: conseguir “saltar” por aí até o final deste século.
Tem jeitão de coisa de maluco, mas junto com os dois estão astronautas, engenheiros, físicos e empresários, todos procurando uma solução para resolver aquele inconveniente da fonte de energia. Pilhas decididamente não ajudarão. Ao menos, convencionais.
O instituto inclusive já tem uma bela nave em projeto, claramente inspirada em naves da ficção. E já tem nome pintado na fuselagem, repare nas artes. Qual nome? Enterprise, como não poderia deixar de ser.
Money makes the world go round
O detalhe é que entre essa turminha que está com a cabeça no espaço profundo, tem gente de respeito, como alguns diretores da SpaceX, que obviamente tem muito interesse em que um plano desse dê certo. Afinal, se em breve as Starship estarão fazendo voos por aí, ponto a ponto de modo sub-orbital, e missões para a Lua e Marte, imagine o que seria uma Starship 2.0 chegando nos confins do universo.
Se você não sabe de quem estou falando, a SpaceX, construtora de brinquedinhos magníficos como as Starship e o Falcon Heavy, é uma das trocentas empresas de Elon Musk, o quaquilionário dono da Tesla e de outras empresas que fazem coisas inimagináveis. E se tem uma coisa que Musk tem, é dinheiro e disposição em investir em planos que soam absurdos.
A "Enterprise" possível, orbitando um exoplaneta | Reprodução: Limitless Space Institute
O mais interessante é que nem todo mundo acha a ideia maluca. O físico e astrônomo Neil deGrasse Tyson, que francamente não é o que chamamos de sonhador, fez uma postagem no Twitter, direcionada ao empresário. Tyson perguntou de modo bem direto quando Musk iria parar de mexer com “foguetes de Marte, Hyperloops, Cybertrucks e interfaces cérebro-computador” e concentrar esforços em criar de vez o motor de dobra. Motivador.
Para quem deseja batalhar por essa ideia, a SpaceX, através da LSI, está financiando bolsas para estudos teóricos na faixa de 100 mil dólares, e de pós-doutorado em 90 mil dólares por ano.
O chefão Harold White, que também responde pelo apelido “Sonny”, mostra que há outros interesses, que podem sim fazer jus ao investimento. Diamantes, por exemplo. Se você não sabe, o espaço é um bom lugar para se achar diamantes brutos. “Diamantes são raros”, disse ele, “mas se você tem um sistema solar inteiro à sua disposição, talvez possa repensar essa definição”
A conta não fecha. Será?
Existem alguns outros empecilhos na viabilização do motor de dobra, presentes na Teoria Geral da Relatividade. Olha o Einstein aí de novo. A física como conhecemos impõe sérias limitações sobre a velocidade das coisas. Pela teoria, a velocidade da luz é uma constante, logo, qualquer coisa que viaje numa velocidade próxima à dela, experimenta um brutal aumento de massa, precisando de mais e mais energia.
O protótipo planejado pela LSI: para desbravar fronteiras | Reprodução: Limitless Space Institute
Mas se é tão difícil assim, segundo a teoria de Einstein e os cálculos de Alcubierre, porque tanta gente (incluindo Elon Musk, que não me parece bem o tipo de pessoa que rasga dinheiro) está investindo nessa empreitada?
Bem, o Harold White explicou ao Universe Today que alguns cálculos sobre a proposta de Alcubierre foram revisados, e os resultados são diferentes dos que foram mostrados há 30 anos. Digamos que nem tanta energia assim é necessária para fazer o bichão funcionar. Sem pilhas, ainda!
Imaginava-se a princípio que a “bolha” de dobra precisaria de uma densidade do tamanho de Júpiter, que é mais ou menos onze vezes maior que a Terra. Só nesse ponto, eu já desistiria e seguiria frustrado, para casa. Em vez disso, White descobriu que alterando a espessura da “casca” da bolha, apenas 2 toneladas são necessárias. Algo em torno do peso total da Voyager, aquela navezinha que está vagando em espaço profundo desde 1977.
Mais rápido, mais longe
Sendo assim, a Dobra Alcubierre se torna não só matematicamente possível, como plausível. E isso entusiasmou pesadamente todo o pessoal da LSI. Tanto que fizeram um videozinho de apresentação do seu plano que realmente, olha, deixa a gente com a cabeça nas estrelas.
Mas a LSI vai um além do que podíamos esperar: ela tem uma instituição-irmã, a Breakthrough Starshot. Que também está de olho no espaço, pesquisando a propulsão por energia direcionada, com a intenção de impulsionar Light Sails (numa tradução bem ao pé da letra, “Veleiros de Luz”) em velocidades relativísticas, numa fração da velocidade da luz, utilizando grandes e precisos sistemas de laser.
Esperança
As pretensões do Dr. White, se embora pareçam, não se resumem em prospectar diamantes e outros materiais valiosos no espaço. Ainda ao Universe Today, declarou: “embora o objetivo seja ir mais rápido e chegar mais longe, o verdadeiro propósito é desenvolver a humanidade como espécie e melhorar nossa compreensão da vida e do cosmos. Isso invariavelmente terá aplicações para melhorar a vida na Terra”.
Apesar de termos muitos problemas para resolver aqui na nossa velha e boa Terrinha, há um fato quase indiscutível no desejo e na pesquisa para nos tornarmos uma civilização interestelar: a esperança.
A partir do momento em que podermos nos deslocar por aí com uma certa eficiência, saberemos que nossa espécie (ou nossas espécies, você não deixaria seu cachorro para trás, deixaria?) estará apta a sobreviver em outros ambientes, podendo deixar a Terra e buscar outro lar entre as estrelas, se necessário.
Considerando como tratamos mal nosso lar, sem esquecer que como todo planeta que se preze temos a chance de ser extintos em algum momento, poder sair por aí nos dá uma sensação, mesmo que paliativa, de permanência.
Audaciosamente indo onde ninguém jamais foi.
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.