Vem cá: as múltiplas personalidades de Karol Conká
Imagem: divulgação
Ser eliminada de um BBB não deve ser fácil. Lidar com a rejeição do público em rede nacional, é para mexer com o emocional de qualquer um. Como se não bastasse, sair com o recorde mundial de votos contrários; ganhar o olhar de reprovação dos demais participantes; ser considerada falsa e escorraçada pelas redes sociais. Do lado de fora, colegas e parceiros lhe recebem com críticas à sua postura. Para coroar, descobre ser protagonista de uma série de memes.
Foi o que aconteceu com a rapper curitibana Karol Conká. Derrubada por 99,17% dos votos do público, a participante do BBB 21 enfrentou momentos psicologicamente complicados. Sua carreira ascendente, batalhada com muito sacrifício por duas décadas, foi seriamente ameaçada.
Agora, um ano depois da tragédia da casa mais vigiada do Brasil, prepara uma volta por cima, com o lançamento de Urucum, seu terceiro álbum de estúdio.
“Atente-se aos sinais”
Engana-se quem aposta neste como mais um álbum. Urucum foi planejado, elaborado e gravado entre sessões de psicologia. Karol não estava nada bem. Talvez essa particularidade tenha trazido à tona a maior diferença entre esse e outros trabalhos.
Uma das maiores cismas do público durante o BBB foi justamente a inconsistência de sua personalidade durante o jogo, que deu origem a memes como “Karol Fragmentada” ou "Carol Concê”. Isso a atormentava tanto que a terapeuta sugeriu que a artista botasse tudo para fora. E isso foi feito em grande estilo.
Quatro? | Divulgação: TV Globo
Brotaram ali quatro personas distintas, que a “auxiliaram” na composição, produção e gravação de cada faixa do álbum. Ela mesmo explicou, em uma entrevista recente ao G1: “Me cobrava muito músicas mais agitadas, porque é a parte de mim que o público mais gosta e a que mais vende. É como se eu tivesse ignorado as minhas outras personas e vivido só para a Karol Conká. E tem a Mamacita, que é empresária, mais imponente, a Jaque Patombá, que dá uma desequilibrada e a Karoline, que dá uma centrada. Eu tinha virado as costas para essas pessoas”.
Pode parecer um pouco conversa de louco, com uma pitadinha de esquizofrenia, mas o resultado é bem evidente nas faixas deste Urucum. Estas personalidades trabalhando juntas trazem um resultado pra lá de interessante.
“Só observe e vai”
As duas primeiras faixas, Fuzuê e Se Sai, trazem uma postura bem “dedo na cara”. Karol chega mostrando quem manda. E que tem pressa para resolver o que precisa. Mais calma, Mal Nenhum é quase uma sessão de terapia, uma viagem subliminar pelas agruras vividas por ela.
Cê Não Pode, como a letra diz, chega botando pressão. Deixa claro que Karol Conká não vai baixar a guarda em nenhuma hipótese, a partir deste “renascimento”. Calma traz um beat misturado a reggae com um toque de bossa nova. É uma “puxada de freio” na agitação, um momento pra respirar dentro do álbum.
Vejo o Bem tem uma pegada eletrônica (leitoras e leitores mais velhinhos vão sentir um cheirinho de Super Nintendo logo na abertura), e entra na linha personalística/analítica de Mal Nenhum, só que na mesma energia impositiva de Cê não Pode.
Sossego abre com um violão tranquilo e um beatbox. E toca em frente nesse clima de paz, apesar de um tantico questionadora. Mas é outro bom momento relax dentro de Urucum.
“Eles não percebem o quanto eu posso caminhar”
Já a interessante Slow vem com uma presença sexy e envolvente, e como nas demais letras de Karol, não fica em meias palavras. Nada é explícito, mas linhas como “Preliminares sempre me deixam entregue; Pele com pele Taça de vinho e um jazz; Tua língua passeia enquanto você desce”, não deixam dúvidas sobre o assunto abordado. Mesmo estilo da próxima faixa, Por Inteira, um beatzinho romântico-sexual, se é que podemos classificar assim.
Subida volta ao estilo mais direto, auto-crítico e analítico das primeiras faixas. E traz uma visão bastante direta das experiências dela no pós-reality show. Fica bem evidente em frases como “Poucos entendem qual é a visão; Eu vejo muitos se contradizendo; Enquanto se perdem por likes; Colecionadores de dislikes; Fábrica de gerar incapaz”.
Porém, Subida não foi feita depois, mas sim antes do BBB 21. Na mesma entrevista citada anteriormente, Conká brinca dizendo que a música foi um tanto “premonitória”, e arremata: “Era legal odiar e falar mal de mim. Eu me perdi dentro do jogo e pessoas se perderam aqui fora por conta de likes”.
E a faixa de encerramento, que deveria ser lançada durante o BBB, Louca & Sagaz, volta à linha “romântica-sexual”, e aqui bem menos ímplicita que nas anteriores. Tem frases como “Cheguei beijando sem te conhecer; Overdose de prazer até o amanhecer; Original style, bem safada; Sessão de hipnose com a minha raba; Já tá no meu comando, agora é tudo ou nada”. Mais claro que isso, só letra da Luísa Sonza.
“Eu tou em outro plano na visão”
Disse deveria, porque Karol resolveu segurar a música assim que deixou o reality. “Para mim não fazia sentido eu sair de lá e apresentar essa música com alegria e sedução, se eu estava vivendo um mergulho no remorso, culpa e vergonha”, disse ao G1.
A artista se vê prolífica como não se via há muito, compondo e trabalhando num ritmo parecido com seu início de carreira, na adolescência. Poucos dias antes de Urucum, lançou Paredawn, com citações bem óbvias à sua aventura no BBB: “Tirei férias por um mês; Entrei no BBB, causei, pirei; Mas não era a intenção; Queimar meu filme na televisão; Até fiquei na pior; Depois de refletir, fiquei melhor; Entendi minha lição; Já tô bem melhor”, relata Karol Conká nos versos.
Em parceria com Rafael Dias, mais conhecido como RDD, ela começa ao pouco voltar às graças com o público; O DJ baiano já trabalhou com Anitta, Pabllo Vittar e Ludmilla, e é responsável pela tonalidade afro encontrada nos beats deste Urucum. Das onze músicas do álbum, dez foram produzidas sob sua batuta. Há muito do conceito do “pagodão baiano”, sua especialidade, na sonoridade destas faixas.
A única que não tem seu toque é Louca & Sagaz, produzida pelo capixaba (e também DJ), Weslley Costa, mais conhecido como WC no Beat. Sua influência foi a pegada reggaeton misturada com trap, que ao mesmo tempo que destoa das demais faixas, complementa a obra como um todo.
“Colecionadores de dislikes”
Polêmicas e números impressionantes | Divulgação: TV Globo
Apesar dos pesares, a complicada participação dela no BBB 21 também teve um lado positivo e inesperado. Convidada a participar do show de encerramento, na final daquela edição do programa, Karol lançou a música Dilúvio. Mesmo com toda a rejeição, as buscas por seu trabalho nas plataformas de streaming, mais precisamente no Deezer, saltaram em 978%. Segundo os dados do sistema, foram ainda maiores que os apresentados em seu anúncio como uma das sisters daquele ano.
Quem também soube aproveitar toda a polêmica foi a plataforma digital da TV Globo, o Globoplay. Mal Karol Conká deixou a Casa, estreou sua série documental em quatro episódios, acertadamente nomeada A Vida Após o Tombo.
A produção, dirigida por Patrícia Carvalho e Patricia Cupello, exibe momentos bastante pessoais, como sua chegada aos Estúdios Globo, o reencontro com assessores e familiares, e as tradicionais reações a cenas protagonizadas durante os episódios.
Mas nem tudo são flores, mesmo neste documentário. Alguns participantes, como Lumena, aceitaram reencontrá-la. Porém, Carla Diaz e Bill recusaram-se terminantemente a participar do projeto. Lucas Penteado, uma das maiores vítimas de suas declarações, a princípio aceitou, porém nas vésperas da gravação, enviou um vídeo dizendo não estar preparado para encontrá-la.
“Aceita que eu tou bem”
Karol Conká agora parece colocar um ponto final nessa polêmica toda. Tentando deixar para trás o trauma do passado e focar na carreira. E assim como a letra “premonitória” de Subida, uma entrevista que concedeu ao Domingão do Faustão logo depois de sua saída da Casa, diz muito sobre o futuro:
"Acho que as pessoas simplesmente ficaram com muita raiva de mim, foi um ódio coletivo, eu entendo, mas estão julgando uma Karol de dentro do jogo. Aqui fora é outra coisa. Não posso deixar minha espontaneidade, meu alto astral de lado por causa de um erro que cometi durante 30 dias na casa."
Vida longa e sucesso à carreira de Karol Conká. E também da Karoline, da Mamacita e da Jaque Patombá.
Eu volto!
Os intertítulos desta reportagem são frases da música Subida, de Karol Conká.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.