Venezuela anuncia nova reconversão monetária com bolívar digital
O impacto da pandemia na economia foi histórico. A crise resultou em uma recessão global sem precedentes, desempenhos cambiais desastrosos e queda no valor de diversas moedas. Países com a economia já instável foram os mais afetados. Como no caso da Venezuela.
Em 2020, a inflação ultrapassou 4.000% e o bolívar venezuelano perdeu 95,7% de seu valor ante ao dólar. E assim a história se repete na Venezuela: 2021 é seu quarto ano consecutivo sofrendo com hiperinflação.
Ranking dos 10 países com maior desvalorização da moeda em 2020:
Posição País Moeda Variação em 2020 (%) 1º Venezuela Bolívar soberano venezuelano -95,7% 2º Seychelles Rupia -33,5% 3º Zambia Quacha zambia -33,4% 4º Argentina Peso argentino -28,8% 5º Angola Kwanza -27,2% 6º Brasil Real -22,4% 7º Nigéria Naira -19,6% 8º Turquia Lira turca -19,2% 9º Belarus Rublo -18,8% 10º Etiópia Birr -18,7%
O país, conhecido por sofrer com hiperinflação, que já chegou a 9.500% em 2019, confirma sua terceira reconversão monetária. Em fevereiro de 2021, o Banco Central Venezuelano (BCV) anunciou a remoção de seis zeros de sua moeda nacional e em agosto, o lançamento do chamado bolívar digital.
Essa é mais uma tentativa de recuperação econômica, de controle da inflação (em alta desde 2017), e também de implementar sua soberania monetária diante da presença do dólar no país. A circulação do bolívar digital está prevista a partir de 1º de outubro de 2021. A divulgação foi confirmada pelo Ministério da Economia e das Finanças.
O governo da Venezuela afirmou em comunicado oficial que “está em um processo progressivo de modernização dos seus sistemas de pagamento e que recentemente começou as operações do novo Sistema de Troca de Mensagens Financeiras, livre e soberano, feito no país e por venezuelanos, promovendo a independência de sistemas estrangeiros para operações bancárias nacionais na consolidação do uso efetivo da moeda nacional”.
O bolívar digital também pode ser visto como uma CBDC (Central Bank Digital Currency). É uma forma de dinheiro digital emitida pelo banco central de determinado país e administrada pelo governo. Ela serve como alternativa ao dinheiro fiduciário tradicional.
Apesar da CBDC ser uma moeda digital, ela não é igual à bitcoin (BTC), sendo na verdade centralizada e controlada por uma instituição. A CBDC está em começo de desenvolvimento em alguns países, como EUA que ainda discute a possibilidade de se criar uma forma digital do dólar.
A CBDC não vai afetar o sistema financeiro tradicional. Isso porque o bolívar digital ficará em circulação junto com a moeda física. A medida, segundo o comunicado oficial visa “manter a inclusão de todos os venezuelanos e atender suas necessidades transacionais”.
O governo da Venezuela também anunciou a circulação da nova moeda de 1 bolívar e novas cédulas de 5 a 100 bolívares.
Crédito: Banco Nacional Venezuelano/Divulgação
Junto com a CBDC haverá um sistema de troca baseado em SMS, auxiliando nos pagamentos e transferências entre as pessoas usuárias. Além disso, o BCV assegurou que a chegada do bolívar digital e a nova reconversão monetária não afetarão o valor do bolívar. Essa é uma medida com intuito de simplificar o uso da moeda.
14 zeros de história
A nova reconversão monetária será a terceira em menos de 15 anos. Em 2007, o então presidente Hugo Chávez removeu três zeros da moeda, introduzindo o bolívar forte. Já em 2018, Nicolás Maduro, seu sucessor, lançou o Petro (bolívar soberano) – criptomoeda do país – quando a inflação atingiu seu pico, eliminando mais cinco zeros do bolívar venezuelano. Agora, a chegada do bolívar digital elimina mais seis.
Em maio, governo venezuelano também fez um reajuste de quase 289% no salário mínimo, que passou a ser 7 milhões de bolívares venezuelanos.
O uso da palavra milhões nesse caso dá um sentido bem diferente quando pensamos na real situação econômica do país, já que este salário equivale a quase US$ 2. E de acordo com o Banco Mundial, viver com menos de US$ 1,90 por dia já implica em situação de extrema pobreza.
Nem um pouco milionários
No caso da Venezuela, diversos produtos acabam superando a marca de milhões de bolívares. Logo, estamos diante de uma população com baixíssimo poder aquisitivo e que muitas vezes não pode sequer comprar uma cesta básica. Eletricidade, fornecimento de água, serviços básicos tornam-se muito caros para a maioria.
Segundo levantamentos da Encovi, a Pesquisa Nacional de Condições de Vida de 2019 – 2020, 96,2% da população vive na pobreza e 79,3% em situação extrema. Esse é o oitavo ano consecutivo da Venezuela em recessão e quarto de hiperinflação.
A Venezuela se distanciou consideravelmente de seus pares sul-americanos, aproximando-se da situação de alguns países do continente africano - Crédito: Encovi.
A pesquisa indica alguns fatores que podem ser considerados responsáveis por essa deterioração econômica:
PIB, por exemplo, caiu 70% entre 2013 e 2019;
Inflação subiu 3.365% entre março de 2019 e 2020;
Hiperinflação impactou 2.959,8% nos preços em 2020.
O estudo também traz outros números sobre os habitantes mais pobres no país:
12% têm acesso à internet;
13% utilizam telefonia fixa;
17% têm computadores à disposição;
44% possuem máquina de lavar roupa.
Desde o anúncio da nova reconversão, no início de agosto, os venezuelanos estão receosos com a chegada oficial do bolívar digital e com a possibilidade de sua atual moeda, o bolívar soberano, perder grande parte do seu valor.
Os gastos se concentram principalmente no comércio de alimentos, já que para a população é preferível comprar comida do que depositar seu dinheiro no banco, e perder ainda mais seu poder de compra depois da reconversão.
Sendo o bolívar digital a terceira reconversão monetária e a mais recente tentativa de recuperar a economia, resta aguardar outubro para ver se o prato do venezuelano ficará mais cheio.
No Brasil, a fome também tem preocupado milhares de famílias. O próximo artigo falaremos justamente sobre essa situação no país. A fome tem cor e gênero.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.