Vilão e herói: o jornalista na sétima arte
A produção jornalística, todas as questões envolvendo uma grande investigação e até mesmo um escândalo sempre fascinaram os amantes da sétima arte. Desde clássicos como “A montanha dos sete abutres” e “Cidadão Kane” até as obras mais recentes e não menos relevantes, são diversos filmes que buscaram ilustrar, seja por um olhar de crítica, admiração ou denúncia, como um jornalista é e como ele age.
As representações cinematográficas dessa profissão já apontaram os vícios e projetaram um fascínio quanto a sua prática, normalmente associada a uma vida de aventuras, dilemas éticos, riscos e ou mesmo o contato com personalidades famosas.
Ao longo dessa relação, entre o jornalista e o cinema, muitas imagens sobre essa profissão foram construídas. Os conhecidos arquétipos de herói e vilão estiveram presentes em diferentes filmes. O vil jornalista, aquele que não mede esforços para conseguir o ‘furo’ que deseja, sem se importar com as consequências ou como fará para atingir seus objetivos. Já a figura de herói luta pela verdade e pelo bem comum.
Uma das formas de analisar o jornalista como “bom” ou “mal” é através da sua ética profissional. Algumas histórias são de fato baseadas na realidade, enquanto outras são apenas ficções inspiradas na vida real, mas ainda assim, a maioria toca nessa ferida: o comportamento do jornalista diante de certas situações. Até onde ele iria?
O poder do jornalista
Cena de “Todos os homens do presidente” com Robert Redford interpretando Bob Woodward e Dustin Hoffman como Carl Bernstein - Imagem de reprodução.
“Todos os homens do presidente”, de Alan Pakula, foi vencedor do Oscar em quatro categorias: melhor ator coadjuvante, melhor direção de arte, melhor som e melhor roteiro adaptado. A produção é uma das referências dentre filmes de investigação jornalística, principalmente por retratar a cobertura do caso Watergate.
Uma a história verídica, baseada no livro de Carl Bernstein e Bob Woodward, repórteres do jornal Washington Post, responsáveis pela investigação que culminaria na renúncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, no dia 9 de agosto de 1974, quase um ano e meio desde o início da apuração por parte do Senado, em março de 1973.
O filme conta a jornada dos dois repórteres que não mediram quaisquer esforços para trazer à tona a verdade, mesmo diante das dificuldades, riscos e descrença dos próprios colegas de trabalho em muitos momentos. Afinal de contas, quem poderia imaginar que uma investigação da invasão ao Comitê Nacional do Partido Democrata dos EUA, mais conhecido como edifício Watergate, chegaria até o presidente do país?
A narrativa Bernstein e Woodward acaba por representar a ideia do jornalista como um cidadão ativo e transformador da realidade, salientado o desempenho dos repórteres em obter as informações e levar a apuração até o fim.
Cena do filme "Spotlight" mostrando equipe investigativa do jornal Boston Globe
Outro longa que fala de uma cobertura real é “Spotlight”, dirigido por Tom McCarthy. Trata de uma investigação realizada pela equipe especial de reportagem (chamada Spotlight) do jornal The Boston Globe. A cobertura se deu entre 2001 e 2002 e se referia a uma série de denúncias de pedofilia envolvendo a Igreja Católica em Massachusetts.
A consequência também foi uma renúncia, nesse caso do arcebispo de Boston, Bernard Shaw, que vinha acobertando vários padres ao longo dos anos.
O roteiro demorou 13 anos para ser escrito, tendo como base as reportagens do Boston Globe e as pessoas envolvidas na cobertura. Assim como “Todos os homens do presidente”, “Spotlight” constrói uma imagem de jornalista heroica e imparcial. Ambos mobilizam estereótipos de credibilidade e neutralidade sobre os jornalistas investigativos.
A falta de ética no jornalismo
“A Montanha dos Sete Abutres”, clássico de 1951 dirigido por Billy Wilder, coloca em xeque ética jornalística. Na trama o repórter Charles Tatum, interpretado por Kirk Douglas, é um cínico, bêbado, ex-jornalista de uma cidade grande, que vai parar no Novo México. Lá ele se depara com o caso de um homem preso em uma antiga mina enquanto buscava por relíquias indígenas.
Talentoso, mas sem nenhum escrúpulo, o personagem de Kirk Douglas se junta ao xerife da cidade e à esposa da vítima para explorar a situação e fazer dela um grande espetáculo da mídia, contando a história da melhor forma que lhes convém.
Toda a manipulação de Tatum gera uma comoção nacional. Em tempos em que Fake News são uma preocupação constante, este clássico dos anos 50 se torna mais atual do que nunca.
O personagem Lou Bloom, do filme “O Abutre”, acompanha um acidente de carro - Imagem de reprodução
Outro péssimo exemplo no meio é Lou Bloom, personagem interpretado por Jake Gyllenhaal em “O Abutre”, que tenta subir na vida praticando pequenos crimes. A falta de moralidade e limites éticos de Bloom ficam evidentes logo na primeira cena quando este descobre um nicho de atuação a ser explorado: o de um cinegrafista independente, que registra acidentes e tragédias durante a madrugada para vender as imagens a uma emissora televisiva que explora conteúdos mais vivos e de impacto.
Dualidade do jornalista
O cinema e o jornalismo têm uma relação próxima há muito tempo, tanto que a figura do jornalista ainda permanece alvo de interesse, curiosidade e análise de diversas películas. Através delas temos a construção de algumas representações do jornalista, frequentemente eram divididas em dois principais arquétipos, vilão e herói. o primeiro lutava por um ideal, enquanto o outro era inescrupuloso a ponto de deixar quaisquer princípios éticos na sua busca por dinheiro e fama.
Logo, entre o grande senso de justiça/ responsabilidade social e o senso de saber aproveitar as oportunidades, o jornalista muitas vezes foi exposto como alguém ambíguo, um alvo de fascínio e desprezo.
Independente dessa dualidade, é inegável a responsabilidade desse profissional, que possui capacidade de impactar na sociedade, seja positiva ou negativamente, tendo como base suas ideologias, valores e condutas nas tomadas de decisão.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.