Vizinhos Unidos e Governo desafiam bandidagem com tecnologia
Ribeirão Preto, bairro Sumarezinho, rua Paranapanema. Assolados por uma onda de assaltos a residências, vizinhos estabeleceram sua própria rede de segurança composta por câmeras tradicionais e nano câmeras com sensores de movimento instaladas em pontos estratégicos, incluindo telhados e áreas internas. As imagens são transmitidas em tempo real para celulares, notebooks e tablets. Resultado: duas prisões em flagrante somente em um trecho com menos de 10 residências.
Na região a que pertence o grupo de moradores, denominado Vizinhos Unidos, os furtos cresceram 37% nos últimos seis meses em comparação com o mesmo período de 2021, atingindo 737 ocorrências. Os números não incluem os furtos de veículos, que também cresceram: 8,5%. Outros grupos organizados aparecem na cidade.
A resposta para o aumento desenfreado da violência está sendo encontrada na tecnologia. Desde sistemas domésticos até redes servidas por plataformas de Big Data, sistema de alarmes e workflow. Cidadãos, empresas e governos investem na proteção do patrimônio e da integridade de seus funcionários e famílias.
As câmeras multiplicam a presença da segurança pública e privada. Com a expansão das cidades e o aumento da criminalidade, o policiamento ostensivo tradicional e a vigilância física praticamente “enxugam o gelo”, sem qualquer condição de baixar os índices de criminalidade.
Polícia Preditiva
Em Minority Report, – filme de 2002 – Tom Cruise é o chefe de Pré-crime John Anderton e faz parte de uma equipe que realiza prisões antes da consumação de homicídios e outros delitos. A ficção aproxima-se da realidade com as novas tecnologias de segurança
Câmeras inteligentes, com sensores e reconhecimento facial, além de recursos de inteligência artificial, permitem o que vem sendo chamado de polícia preditiva. Esses métodos, claro, não preveem o futuro, mas identificam pessoas e locais com maior probabilidade de ocorrências criminais analisando dados de diferentes fontes e utilizando-se de um modelo não-paramétrico (mais flexível).
Na verdade, a polícia preditiva é uma das aplicações da análise preditiva de dados. Renan Saisse, autor do artigo “Big Data contra o crime: Efeito Minority Report”, organiza o método em quatro fases: análises prescritiva, diagnóstica, descritiva e preditiva. A primeira foca em conhecer as possíveis consequências de uma determinada ação; a segunda analisa os eventos para entender o que aconteceu (quando, onde, por quê); a terceira traz respostas em tempo real e a última usa dados históricos sediados em um dataset e traça tendências sobre possibilidades futuras.
Modelos preditivos correspondem a uma função matemática – f(x) – ou algoritmo. Em Machine Learn supervisionado, dados são manipulados e introduzidos repetidamente até o sistema realizar o mapeamento automático, reconhecendo perfis programados e fornecendo os resultados esperados. O modelo usa árvores de decisão, redes neurais de retorno de propagação ou máquinas de vetor.
Árvores de decisão (Random Forest) é um algoritmo que combina múltiplas decisões para alcançar um único resultado. Redes neurais ou máquinas de vetor são métodos de deep learning para reconhecimento de padrões complexos e numerosos a partir do aprendizado dentro da rede.
Para se ter uma ideia do funcionamento, é preciso visualizar uma árvore a partir de seu topo. A partir das folhas e galhos menores que vão se fundindo em galhos maiores e estes, por sua vez, chegam ao tronco que é o resultado de todos os registros analisados por uma dedução lógica.
Até agora falamos do mecanismo de funcionamento da Inteligência Artificial por trás do sistema. Tudo isso não teria qualquer serventia se não fosse o Big Data.
2,6 trilhões de gigabytes
“Em Deus nós confiamos, todos os outros devem trazer dados e fatos”. William Deming
O conceito teve origem entre as décadas de 60 e 70, quando surgiram os primeiros bancos de dados. Entretanto, como a tecnologia ainda era muito limitada e não vivíamos ainda na era da informação, o volume de dados era insignificante perto do que se tem hoje.
Segunda a definição da Oracle, Big Data são dados em volume crescente e maior variedade e gerados com velocidade cada vez maior. Mais do que meros dados, hoje são considerados ativos informacionais, importantes para uma empresa como para a prestação de um serviço público, dispersos inúmeras redes, plataformas, além de bancos de dados públicos e privados, armazenamento em nuvem e dispositivos portáteis.
Com a evolução do conceito, as primeiras propriedades (Volume, Variedade, Velocidade) tornaram-se cinco (Veracidade e Valor). A visão mais recente adicionou mais cinco (Volatilidade, Visualização, Vulnerabilidade, Validade, Variabilidade), por enquanto.
O Big Data processa uma enorme quantidade de dados não estruturados e de baixa densidade (Volume). Não estruturados significa que não são dispostos em padrões rígidos (Variedade) – planilhas por exemplo – e correspondem a 80% dos dados existentes no mundo como imagens, áudios e mensagens de texto.
Com o advento da Sociedade da Informação, e mais especificamente da Internet das Coisas (IoT), dados são gerados praticamente a todo momento (Velocidade). O Instituto Gartner e a plataforma de dados Domo estimaram em 2020 que a cada seis minutos (aproximadamente o tempo de leitura deste artigo) foram gerados 9,1 mil terabytes de dados o que corresponde aproximadamente a 1,2 milhão de pessoas em vídeo conferências, 400 mil aplicações para vagas no Linkedn e 250 milhões de mensagens no whatsapp.
A pesquisa das duas entidades concluiu que teriam sido prodizidos 40 trilhões de gigabytes de dados. Mas isso foi em 2020! Projeções mais recentes, como da empresa IDC (International Data Corporation) estimam a geração de 2,5 quintilhões de bytes todos os dias somente nas redes sociais, mensagens de aplicativos, sinais de gps, pesquisa em sites de busca, sensores, vídeos de streaming entre outros (Variabilidade), ou 2,6 trilhões de gigabytes. Considerando os dois estudos, hoje estaríamos gerando em 20 dias mais do que todo o ano de 2020.
Estimar a quantidade de informação gerada por minuto é algo bem complexo dada as inúmeras interações entre as pessoas, as comunicações entre os dispositivos e a produção de conteúdo. Claro que, analisados (Veracidade), os dados brutos representam um universo de informação capaz de melhorar a performance dos setores privados e públicos. E nisso entra o que interessa na área de segurança.
O foco do Big Data é o todo, ou seja, qualquer informação que possa ser útil para o resultado (Validade), já que o objetivo não é tornar a informação mais acessível, mas gerar conhecimento e tomada de decisão mais ágil e eficiente (Valor).
A Visualização tem a ver com a apresentação da informação, que pode ser reunida em gráficos, mapas e diagramas. Vulnerabilidade representa o problema de segurança, evidenciado em ataques hacker e no ramsonware, por exemplo. Volatilidade é o tempo razoável ou a vida útil dos dados.
Detecta e Córtex
No estado de São Paulo, o sistema Detecta da Secretaria de Segurança Pública funciona há oito anos com base nos parâmetros expostos e faz a integração das informações acessando o banco de dados de diferentes instituições, correlacionando informações de imagens, pessoas e locais no intuito de executar ações policiais coordenadas.
Por meio de leitores de placas de veículos, sistema de videomonitoramento e ferramentas analíticas de vídeo de órgãos públicos, entidades e organizações públicas e privadas, como Associações, Sindicatos, Condomínios ou Empresas, o sistema organiza registros e eventos de forma a gerar informação visando tanto a prevenção quanto a repressão e investigação de crimes, conforme informações publicadas em uma Cartilha do Governo do Estado.
Já sobre o Programa Córtex faltam informações oficiais e sobram hipóteses. Não há informações do sistema no site do Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pelo serviço. Os veículos de comunicação que obtiveram alguma informação recorreram à Lei de Acesso à Informação.
A revista Crusoé informou no início do ano que o sistema teria sido lançado experimentalmente há quatro anos para interligar câmeras de segurança de vias públicas e fazer a leitura de placas para localizar veículos roubados e criminosos em fuga ou foragidos. Recebe imagens de pelo menos 26 mil câmeras de segurança e a central está instalada na sede da Secretaria de Operações Integradas.
De fato, o sistema pode fazer isso e estariam sendo monitorados cerca de 360 mil alvos. Quem são e onde estão ninguém informa. Ou fiscaliza. A falta de transparência permite supor que estejam sob vigilância outras pessoas fora do círculo da criminalidade.
De toda forma, qualquer câmera pode se integrar aos grandes sistemas de vigilância ou o contrário – eles também podem acessar as imagens geradas a partir de casos como o da rua Paranapanema. Integrada ao Detecta, Ribeirão Preto anunciou um programa para instalar 115 câmeras inteligentes integradas numa central.
Como demonstrado, o Big Data e a Inteligência Artificial permitem o acesso a qualquer equipamento. Tecnicamente nada impede desde já essa integração.
Exceto a burocracia.
E este artigo acrescentou hoje 22 kb aos 2,6 trilhões de gigabytes de dados diários.
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.