Vô, muito obrigada
Um dia me disseram que é impossível sentir saudades de alguém que não conhecemos. Mas eu comprovei (para mim mesma) que isso é mentira. No momento que a narrativa sobre uma pessoa nos dá detalhes suficientes pra acharmos que gostaríamos de sua presença, podemos sim, sentir sua presença, e no caso, sentir saudades.
Vô, um dia me disseram que eu seria teu orgulho se estivesses aqui pra me acompanhar.
Disseram-me, que teríamos longas conversas se estivesses aqui. Contaram-me também, que o senhor gostava de ler artigos em inglês, muitas vezes sem entender nada, mas com o passar do tempo, passou a entender o suficiente pra não mais usar o dicionário como amigo fiel.
Contaram-me, que o senhor se deleitava ao ouvir Mercedes Sosa, Montserrat Caballet, Queen, Plácido Domingos. Que o senhor acompanhou toda a explosão do heavy metal. Gostava de ir a teatros, cinemas (até já trabalhou num), e gastava o dinheiro das horas extras em livros. Gostava de Agatha Christie.
E eu fico aqui, desolada, me perguntando o porquê de o senhor ter partido tão cedo. E eu fiquei aqui, achando que era a ovelha negra da família por ter o gosto tão diferente dos outros que me cercam e convivem comigo.
No momento em que começaram a me contar mais coisas sobre o senhor, eu agradeci aos céus por saber que um dia, alguém deu motivos plausíveis pra eu ser como eu sou, pelo menos uma parcela de mim.
Já que não tenho mais a tua presença, me contento em ler o que o senhor gostava, com dupla vontade: a minha e a tua. E de ouvir o que o senhor gostava. Não me sinto só quando faço isso. Sinto saudades da companhia que nunca tive, mas do avô que sempre estará em minha memória.
Se eu já amo o senhor agora, só com as narrativas, imagina com a sua presença. Obrigada por ensinar-me, mesmo que a distância, a ter orgulho da minha personalidade.
Este artigo foi escrito por Victória Mendes e publicado originalmente em Prensa.li.