Você – ainda – não viu nada
Olá, caro leitor. Você mesmo, no conforto do seu lar, ou no ônibus ou escritório, lendo esse estupendo artigo sobre tecnologia, diga aí: é bom sentar na frente do televisor e esquecer um pouco do mundo, não é mesmo?
Pois saiba, enquanto você vai lá, controle remoto em punho, acreditando estar no domínio total do que vai assistir, uma revolução silenciosa ganha corpo.
Qual a novidade, já que revoluções envolvendo nosso modo de ver TV acontecem com uma frequência razoável desde a primeira década deste século?
Desta vez a revolução atinge especificamente a TV aberta, e caso você não tenha um preconceito bobo contra a televisão gratuita deste país, essa notícia é pra você. Entrou em testes a TV 3.0.
Raios catódicos! O que será isso? Faremos um flashback rapidinho. Serei breve. Vamos lá?
Senta que lá vem história
A TV analógica começou no Brasil, preto e branco e ao vivo, em 1950. Esta é a TV 1.0. Em 1972, essa mesma TV ganhou cores vivas (e na época, bastante exageradas, beirando o ridículo). Chamaremos de TV 1.5.
Em 2007, foi a vez da TV digital aberta, que conhecemos tão bem, em alta definição e com possibilidade de carregar outros canais dentro do mesmo canal. Esta é a TV 2.0. Acompanhou o raciocínio?
No início de julho de 2021, o Brasil deu o pontapé inicial nos testes da TV 3.0. Pela primeira vez na televisão, com perdão do trocadilho, entrou em ação a mistura entre a transmissão de sinal pelo ar, com o sinal de internet da sua casa.
Seu querido televisor passa a ser mais um integrante do ecossistema da internet, de um modo mais profundo que aquele ingênuo SmartTV que você possivelmente tem na sala.
A partir de 2023, poderemos evidenciar três coisas nesse novo jeito de ver e fazer Televisão. A mais legal, deixarei no final pra fazer suspense. Coisa de novela.
A seguir, cenas dos próximos capítulos
A imagem, hoje em dia full HD, receberá mais pixels, ficando similar ao 4K… mas a mudança vai um pouquinho além de mais pixels. Serão melhores pixels. Sai a codificação H.264, entra a HDR. As imagens terão melhor de cor, brilho e contraste, tornando-se mais naturais.
O som será codificado em MPEG H Áudio, recebendo características de som imersivo. O processo dará um belo trabalho para a captação e mixagem por parte de emissoras e produtoras, mas o resultado final será superior ao que conhecemos em home theaters ou soundbars.
Você também poderá navegar pelas pistas de áudio, de modo independente. Numa transmissão esportiva, você se sentirá dentro do estádio (esse sistema permite mixar mais de cem fontes de áudio diferentes, além do áudio ambiente). Caso não esteja curtindo algumas opiniões, poderá eliminar o narrador ou comentarista. Não de forma literal, como alguns gostariam, mas é um começo.
Nossos comerciais, por favor
O mais legal (e muito black mirror) será a parte reservada à programação, precisamente aos comerciais, com a implantação da técnica de targeted advertising.
Pensa comigo… seu televisor agora estará conectado a todos os outros aparelhos que compartilham a Internet na sua casa. Certo?
Não precisa fazer um grande exercício criativo para imaginar que essa turminha do barulho compartilhará o que você procura, vê, ouve, lê e compra.
Qualquer semelhança não será mera coincidência
Seria inocência pensar que o televisor não entraria nesse círculo da fofoca digital, alimentando rechonchudos algoritmos. Na prática:
Você senta pra ver o Jornal Nacional. Assim que a Renata e o Bonner chamam o intervalo, a mágica entra em ação.
Logo depois da chamada da novela das nove (que está na penúltima semana, atenção!) surge um comercial de ração pro seu buldogue francês, que coincidentemente você procurou no celular, enquanto estava indo pro trabalho. E olhe, a oferta é imperdível.
Seguido pelo comercial daquele perfume que você viu mais tarde, a comida chinesa que pensou em pedir na hora do almoço, e também aquele produto constrangedor que você jura não ter procurado, mas não adianta disfarçar. Seu televisor sabe. E coincidências não existem.
Talvez, com jeitinho...
Antes de você, aterrorizado, jogar seus aparelhos da janela do décimo andar (lembrando que pode atingir um incauto no térreo), não se desespere.
Assim como os navegadores atuais, seu televisor, educado que é, possivelmente lhe pedirá permissão, talvez lhe livrando parcialmente dessa libertinagem eletrônica.
Fique tranquilo (ou não). A evolução e a revolução são inevitáveis.
Veja o lado bom disso. Os comerciais serão muito mais amigáveis. Você não verá propagandas de remédios milagrosos para queda de cabelo… exceto se você já tiver procurado. Isso vai impactar – muito – o atual sistema, atingindo anunciantes, agências e emissoras. Faltou explicar a mágica.
Tecnologia, não feitiçaria!
O sinal de TV será misto, combinando programação do ar com pacotes de dados enviados pelas emissoras, via internet. Essa mistureba será feita dentro do seu liquidificador, digo, televisor.
Comerciais hiper direcionados serão excelentes para os anunciantes, porque gastarão menos e ganharão mais. Ótimo para as emissoras, porque no lugar de um comercial, vão programar centenas deles, direcionados para centenas de públicos.
Agências também ficarão felizes, pois poderão vender e criar para seus clientes em um nível de segmentação inimaginável.
Cada casa poderá assistir a um intervalo comercial diferente. Serão dezenas, centenas, milhares de combinações de dados. Baseados nas fofocas que seus aparelhos fizeram sobre você.
O futuro, já começou...
O sistema da TV 3.0, já homologado pela Anatel, fez testes primários no já distante Rock in Rio 2019 e no Carnaval 2020 do Rio de Janeiro, em parceria com a TV Globo/Multishow, transmitindo em um canal UHF experimental.
Agora é a vez de testes mais aprimorados, envolvendo engenheiros, especialistas, emissoras, universidades, e mais de setenta pesquisadores, buscando provar o sistema, que também passará por um upgrade robusto no sistema operacional instalado nos televisores, o famoso Ginga, o coração da TV digital brasileira.
Vem aí um tempo onde não haverá mais segredos entre você e seu televisor. Não adianta fugir… onde você sintonizar TV, suas preferências irão lhe seguir. No celular. No carro. Na chuva. Na rua. Na fazenda. Ou numa casinha de sapê.
Aguarde.
Imagem de capa - Sabe de nada, inocente - Foto de KoolShooters no Pexels
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Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.