Você usa aplicativo Menstrual? Ou conhece alguém que usa? Cuidado!
Em 2013 um caso da Target ficou mundialmente famoso, principalmente pela exposição de dados. Para resumir o caso, se você não o conhece: uma adolescente estava grávida, o mercado mandou vários cupons de descontos de coisas de bebê, o pai dela não sabia, fez um “estardalhaço” no centro comercial, e depois voltou lá para se desculpar: Pois sua filha estava realmente grávida, e ele não sabia. Agora, como a loja sabia? Pelas pesquisas dela no buscador.
Algo semelhante está acontecendo atualmente, ou talvez pior. A escolha pessoal da mulher em relação à gravidez é um tópico que está em grande veiculação no momento, só que os aplicativos menstruais não estão somente interligados com as gravidinhas, mas também, com aquelas mulheres que querem engravidar e por algum motivo, não conseguem.
Ainda que possa ser algo bem inusitado, a empresa do aplicativo menstrual seguindo a mesma linha de obtenção e gerenciamento de dados sensíveis das mulheres, começou a rastrear, literalmente, o período menstrual. É bem comum a população feminina usar esses aplicativos, até mesmo compartilhando os dados com seus parceiros/parceiras (o que ajuda e muito naquela fundamentação de “eu falei isso pois estava com TPM” ) para lembrar de andar com o absorvente dentro da bolsa (o que é uma mão na roda), ou com o medicamento necessário para aqueles dias, e quiçá, relembrar de não marcar uma festa na piscina. Só que agora tomou um novo rumo: Enquanto a Target expôs uma gravidez, agora esses aplicativos expõem a mulher como um todo, em momentos mais vulneráveis.
Exposição e Invasão da Privacidade
Nesses últimos tempos, aqui no Brasil, tivemos o caso da atriz Klara Castanho, que teve sua gravidez exposta de forma lastimável por jornalistas, e fez um ato heroico de seguir os procedimentos legais e entregar o bebê para a adoção- tudo dentro dos limites éticos e jurídicos brasileiros- mesmo a criança tendo sido fruto de uma violência. Depois da Target e da Klara Castanho, temos certeza que o vazamento de dados é real, e quanto mais delicada a situação, mais valiosos se tornam esse data set.
Depois da anulação de Roe v. Wade pela Suprema Corte dos Estados Unidos (em relação ao aborto), surgiram diversas preocupações sobre aplicativos de rastreamento de período menstrual.
Mas o que isso tem a ver?
Esses aplicativos coletam dados de ciclo menstrual, fertilidade, vida sexual etc. E o ponto central é: estariam esses aplicativos obrigados pela justiça a conferir os dados das mulheres fundamentando num caso de investigar abortos ilegais?
E os problemas jurídicos?
Ainda que aqui no Brasil aborto seja ilegal, em alguns estados dos EUA não é, e como fica? A checagem desses dados poderia virar uma prova negativa para demonstrar que a mulher cometeu o crime.
Por esse motivo, muitas mulheres estão excluindo seus apps. A Natural Cycles, já afirmou estar trabalhando em recursos para tornar esses dados anônimos depois da queda de Roe v. Wade.
E o Google não ficou de fora, disse que vai excluir automaticamente visitas a clínicas de aborto do histórico de localização, objetivando não trazer formas de incriminar as mulheres.
Empatia e Privacidade
Os aplicativos de controle menstrual literalmente possuem dados sensíveis, e como dito no começo desse artigo, possuem segredos pessoais. Quando uma mulher, por qualquer motivo que seja, não consegue engravidar, e o quer, e tem essa informação exposta e vendida, dilacera a alma de qualquer uma.
Além disso, casos como o da atriz que foi supracitado impactam diretamente no cotidiano da mulher, que teve seu corpo invadido e violentado. Agora, imaginem: uma mulher que estava tentando há muito tempo conceber um filho, aborta naturalmente, sem querer, chora pela perde, e ainda recebe uma intimação da polícia dizendo que ela cometeu um crime fundamentado no ciclo menstrual do aplicativo? Isso obviamente seria uma dupla punição, e olhe que o código penal brasileiro veta o bis in idem.
Para ler mais, entre no meu grupo do telegram. Lutemos pela privacidade, que ainda que seja constitucional, parece não funcionar.
Este artigo foi escrito por Maria Renata Gois e publicado originalmente em Prensa.li.