The Walking Dead e o Contrato Social
Estado de Natureza e Contrato Social
Quando falamos em estado de natureza estamos nos referindo ao estado em que os homens viviam antes da criação das instituições governamentais, ou seja, o que prevalecia era a lei do mais forte. Aos poucos percebe-se que com a formação de grupos os indivíduos possuem mais força, quanto maior o grupo, maior a chance de satisfazerem suas necessidades e se protegerem de inimigos externos.
Obviamente, esse processo não é garantida de nada pois os grupos vivem na chamada guerra de todos contra todos, ou seja, conflitos permanentes que afetam todos os indivíduos direta ou indiretamente. Sendo assim, eles são obrigados a uma socialização para garantir a própria segurança. Desse processo surge o contrato social e a criação da figura do Estado.
O Estado é o responsável pela criação das leis que irão garantir uma relativa paz e harmonia entre os indivíduos pois, em caso de quebra dessas leis, punições serão atribuídas aos transgressores para que se garanta o cumprimento do chamado contrato social.
The Walking Dead
The Walking Dead surgiu como uma história em quadrinhos criada por Robert Kirkman e Tony Moore e que logo fez sucesso nos Estados Unidos e, posteriormente, no mundo. O sucesso foi tão grande que acabou virando uma série que, finalmente, chegou em sua temporada final. Se você olhar bem para o que foi descrito acima sobre o estado de natureza, grupos, contrato social, irá perceber que TWD segue exatamente essa linha.
A humanidade foi atingida por um apocalipse zumbi, que ninguém sabe como explicar e, de uma hora pra outra, todas as instituições deixaram de existir. O apocalipse zumbi é a falência do Estado. Os sobreviventes desse apocalipse se veem mergulhados no caos e buscam se adaptarem a esse novo cenário de incertezas o mais rápido possível.
É preciso lutar contra os zumbis, buscar recursos e, para piorar, enfrentar outros grupos de humanos que estão vivendo na mesma situação. E isso é um dos pontos mais interessantes em toda a história. No começo de tudo os zumbis são as maiores ameaças, mas, com o passar do tempo, as grandes e verdadeiras ameaças são os grupos humanos. Por quê? Porque voltaram ao estado natural.
Hobbes
Thomas Hobbes entende que o homem em seu estado de natureza vive em uma constante guerra de todos contra todos e define bem essa ideia com sua frase “todo homem é inimigo de todo homem”.
Neste estado prevalece a lei do mais forte e, principalmente, o chamado grande medo: o medo de uma morte violenta. Por este motivo os homens criaram armas e meios para sobreviverem, dentre eles, ocuparem e cercarem um terreno, porém nenhum desses meios pode lhes garantir coisa alguma.
Locke
John Locke parte do mesmo princípio e descreve o estado de natureza como um local sem a presença de um governo e, consequentemente, ainda que o homem não cause prejuízos a outro homem, não existem leis que sirvam de parâmetros e cada um está livre para agir como desejar. Entende também que o estado de natureza é um estado de perfeita liberdade e igualdade e é regido pelas leis da natureza: não prejudicar aos outros em suas vidas, saúde, liberdade ou posses.
Devido a essas condições, existe uma instabilidade e uma insegurança que só podem ser resolvidas através da institucionalização da ordem. Essa instituição é o chamado governo civil e só pode ser legitimado através do pacto social.
O pacto social une os homens para estabelecerem um corpo político que estará submetido ao que for determinado pela maioria e, assim, criam um poder legítimo para governá-las, dando origem a sociedade política.
Rousseau
Jean Jacques Rousseau aponta para a ideia de que o povo é a melhor forma de governo, ou seja, o contrato social seria possível através da soberania da sociedade, a soberania da vontade coletiva. Rousseau acredita que todo homem nasce livre e o estado de natureza corresponde ao chamado estado original, no qual os homens vivem sem governo, isolados em florestas e sobrevivendo daquilo que a Natureza lhes oferece.
Esses indivíduos vivem no estado de felicidade original sob a forma do bom selvagem inocente e este estado termina quando alguém cerca um terreno e toma a propriedade para si. A propriedade privada dá origem ao estado de sociedade e, portanto, o que prevalece é a luta de todos contra todos, tal qual Hobbes afirma.
Ao abandonarem o estado de natureza os indivíduos perdem sua independência, mas alcançam um tipo de liberdade que é superior e elevada, pois tornam-se cidadãos de uma sociedade e podem não apenas aprimorar como desenvolver sua consciência racional.
Para Rousseau, o homem não pode ser virtuoso em seu estado de natureza pois é apenas em sociedade que ele passa a ter consciência dos elementos morais.
Concluindo...
The Walkind Dead se propõe a ser uma metáfora da falência do Estado e de seu projeto de civilização (como, por exemplo, o que se tenta fazer na cidade de Alexandria). O processo de transição da barbárie para a civilização pode não demorar a acontecer ou acontecer repentinamente, como vimos em The Walking Dead.
Desta forma, o fim do contrato social, da civilização tal qual conhecemos, o constante estado de guerra, modificam a forma de pensar e agir dos indivíduos e é preciso reinventar o contrato social para garantir, uma vez mais, a sobrevivência da raça humana.
Imagem de capa - Pôster promocional de divulgação - AMC
Este artigo foi escrito por Edu Molina e publicado originalmente em Prensa.li.