Wandavision: uma ode à Televisão
Imagem: Essa família é muito unida... | Divulgação: Disney+
Mesmo após todo o hype, ainda encarava a série Wandavision, original do Disney+, com uma certa descrença.
Não via como dois personagens do segundo escalão da Marvel, apesar de carismáticos, segurariam uma série própria na TV.
Não que nos quadrinhos da Marvel não tenham protagonizado HQs muito interessantes; uma, inclusive, baseada nas agruras deste relacionamento. Em 2013, foi lançada a série Visão, em dois volumes: Pouco Pior que um Homem e Eu Também Serei Salvo Pelo Amor, com roteiro do badalado Tom King e desenhos de Gabriel Hernandez Walta, onde o andróide (sintozóide, para ser mais exato) cria uma ilusão da vida perfeita, onde a Feiticeira Escarlate (a Wanda em questão) pode – ou não – fazer parte. As consequências… bem, só lendo para saber.
“Acho que lidamos bem com isso.”
No Universo Marvel Compartilhado (MCU para os íntimos), tanto Wanda quanto Visão foram introduzidos em A Era de Ultron, e apesar de desempenharem papéis importantíssimos no desenrolar e desfecho da história, ainda estavam à sombra do primeiro time, no caso, os Vingadores.
Mas não é essa história que me motivou a escrever sobre a série.
Uma última informação para situar os leitores não iniciados nos quadrinhos ou no MCU: Visão (nos filmes) é a personificação corpórea de Jarvis, o supercomputador dos Vingadores, a partir do mesmo processo que deu origem ao vilão, Ultron; e Wanda Maximoff, uma mutante com poderes de magia amplificados por experimentos militares (sim, ela é uma dos X-Men). Esta é a versão dos personagens que é retratada em Wandavision.
“Em um número de mágica real, tudo é falso.”
A interpretação de Elizabeth Olsen e Paul Bettany dá toda a realidade que se pode dar a dois personagens com estas características. Mas, definitivamente, não é a história deles que é o melhor da série, tampouco a boa trama que vai crescendo e revela que seu mundo perfeito está a meio caminho de colapsar.
Wandavision tem um gosto mais que especial para a maioria dos telespectadores, sobretudo para os que acompanham séries de TV, e profissionais de televisão, categoria da qual faço parte.
A série é uma cuidadosa declaração de amor à arte de fazer Televisão, perpassando toda a história desse meio, sobretudo dentro do gênero sitcom, as populares comédias de situação.
Tudo feito de uma maneira muito nobre e sutil, e ao mesmo tempo espetacular. O primeiro episódio é ambientado em mínimos pormenores, nos moldes de uma sitcom dos anos 1950. Tudo está lá: figurino, estilo de direção, estilo de interpretação, efeitos especiais, tempo de comédia, movimentos de câmera, trilha sonora… até a textura do vídeo é reproduzido em detalhes.
A impressão é que assistimos não uma série dos anos 2020, mas sim um legítimo programa da década de 1950, como Papai Sabe Tudo (Father Knows Best).
Já o segundo episódio abre com a estética de uma das séries mais amadas do gênero, a sessentista A Feiticeira (Bewitched). Os detalhes são evidentes desde a abertura até o uso de cenas externas.
No final, uma grata surpresa: o episódio ganha cores e todo o estilo que caracteriza as séries de meados da década de 1960. A transição é feita de modo brilhante, já nos deixando preparados para a evolução da trama.
“Estou fazendo o melhor para me adaptar.”
Falando em evolução, há um detalhe que não pode ser ignorado: em cada episódio, há um intervalo comercial. O primeiro, nos anos 1950, com direito a apresentador e garota propaganda, é de uma torradeira automática revolucionária, fabricada pelas Indústrias Stark. Sim, essas mesmo. E há nessa torradeira um pequeno detalhe, mínimo, que faz muita diferença.
No segundo episódio, há um comercial de um sofisticado relógio de pulso, com a cinematografia típica dos anos 1960. A marca? Strücker. Com um detalhe que não pode passar pelos olhos mais atentos, de quem conhece o mínimo do cânone da Marvel.
Os próprios títulos dos episódios merecem destaque. Só para ficar nos três primeiros: Gravado ao Vivo com Plateia, Não Mude de Canal e Agora em Cores, são frases típicas da televisão dos períodos homenageados na linguagem da série.
O cuidado com a dublagem (tradição e exigência da Disney há tempos) também fica evidente. Os dubladores da versão brasileira (Mariana Torres e Eduardo Borgerth) seguem a interpretação típica de cada época. É impossível não perceber na interpretação de voz da personagem Wanda os traquejos típicos da dublagem nacional de A Feiticeira, que inspirou o episódio situado nos anos 1960.
O terceiro episódio, focado nos anos 1970, evoca a linguagem de sitcoms do período, sobretudo Mary Tyler Moore. É impossível não identificar nos detalhes de figurino e cenografia, sobretudo por quem assistiu a estas séries.
“Esqueça o passado. Este é o seu futuro.”
Do terceiro episódio para frente, a trama dos heróis começa a ganhar mais profundidade, mas nem por isso a homenagem à TV é deixada de lado. No período oitentista, diversas citações a programas com o DNA da época, como Caras & Caretas (Family Ties), Um Amor de Família (Married With Children) e a não menos clássica Três é Demais (Full House). Curiosidade: Elizabeth Olsen é irmã mais nova das gêmeas Mary Kate e Ashley Olsen, que estrelaram esta última.
Outra homenagem que permeia toda a série, em estilo mínimos detalhes, são cenas onde se vê que algo está fugindo da realidade (ou do que eles pensam ser a realidade). A cinematografia incorpora itens visuais e narrativos da icônica Além da Imaginação (The Twilight Zone). Só falta a música tema, mas seria entregar demais.
Vou parando por aqui e convido a você, profissional da área ou telespectador de séries, a acompanhar os episódios e procurar essas e muitas outras referências. Se eu ficar entregando aqui vai perder a graça.
“Tenho tudo sob controle.”
Só mais uma, pra fechar: num dos episódios, temos o estilo narrativo próprio de Modern Family, a série que é um marco da década de 2010 na TV americana.
Wandavision tem até agora uma temporada. Faz uma ligação direta entre os eventos dos filmes Vingadores: Ultimato e o vindouro Dr. Estranho 2: no Multiverso da Loucura.
Não perca!
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.