Weird Western: quando o Horror encontra o Faroeste

Imagem: arte de Ed Carl Evans / Foto: Roberto Alves 

Quando se fala no gênero western ou faroeste, a mente de qualquer pessoa bem como do público remete diretamente aos inúmeros filmes que Hollywood tanto produziu ao longo de boa parte do século XX e hoje produz ainda que timidamente – e o horror ou como dito popularmente terror também remete o público à tantos e tantos filmes que o cinema norte-americano produz aos montes até os dias atuais.

Entretanto ambos os gêneros não são apenas cinematográficos, mas também literários principalmente o horror já que este possui obras que se incluem até mesmo na chamada literatura universal como por exemplo Drácula, de Bram Stocker ou Frankenstein, de Mary Shelley, ambos publicados no século XIX.  

E o que os gêneros tem a ver um com o outro? A resposta é: muito.

Afinal, é preciso pensar o horror como um gênero muito dinâmico e sempre foi do modo como o conhecemos já que histórias de horror podem sem passar em qualquer época, seja nos tempos atuais e principalmente em épocas passadas como a Inglaterra Vitoriana.

Porém o cenário do horror pode também ser muito inusitado ou inesperado... E é aí que se encaixa o popular western, pois pode tratar-se não apenas de um cenário de aventuras de cowboys, indígenas e pistoleiros, mas também um ambiente povoado por lendas e mitos já que o sobrenatural pode se situar em qualquer lugar e época da história humana.  

Weird Western cuja tradução literal é Oeste Estranho trata-se de um subgênero literário surgido por volta dos anos 1930 e seu criador foi Robert Ervin Howard (1906 – 1936), escritor norte-americano mais conhecido por ser o criador do personagem Conan, o Bárbaro além de alguns outros personagens do gênero também criado por ele chamado de Espada e Feitiçaria.

Contudo o gênero Weird Western nunca teve merecida expressão nos Estados Unidos e mesmo os contos de Howard que na época eram publicados em revistas pulp tiveram apenas um razoável sucesso entre os leitores e pelo que se saiba nenhum interesse de outros escritores em dar continuidade ao Weird mesmo após a morte de Howard. Por muito tempo o subgênero ficou relegado ao esquecimento, mas aos poucos ele encontrou o seu devido lugar numa busca um tanto prolongada.  

Weird Western nas histórias em quadrinhos 

Em outro canto do mundo, mais precisamente na Itália o subgênero criado por Howard encontrou perfeitamente seu lugar nas histórias em quadrinhos italianas, os populares fummetti. O personagem Tex, criado em 1948 por Gian Luigi Bonelli, a revista em quadrinhos mais vendida na Itália até hoje e publicada pela editora Bonelli é um faroeste com arte e preto e branco com publicação em vários países no mundo todo e com enorme sucesso.

Tex é um ranger que junto de seus três companheiros enfrenta vários tipos de criminosos em aventuras muito inspiradas no cinema norte-americano de faroeste. Entretanto dado ao dinâmismo das histórias em quadrinhos, o ranger diversas vezes também se depara com ameaças sobrenaturais, tendo inclusive como arqui-inimigo um feiticeiro chamado Mefisto em várias de suas aventuras.  

Divulgação: Tex em cores, n.2, editora Mythos 

Outro herói de western também publicado pela editora Bonelli é Zagor, personagem criado em 1961 por Sergio Bonelli (filho de Gian Luigi) e com aventuras bastante diferentes das histórias Tex, pois suas tramas são bem mais repletas de horror e fantasia de modo que é comum o herói enfrentar os mais bizarros vilões para um cenário de faroeste como vampiros, lobisomens, bruxos, zumbis e até mesmo alienígenas, o que também abre espaço para a ficção científica.

Obviamente o universo de Zagor também é recheado por lendas indígenas já que o herói está sempre em contato com índios que até o vêem como um grande guerreiro branco e não por acaso o personagem utiliza como arma principal uma machadinha, que é uma arma indígena chamada tomahawk. 

Divulgação: Zagor 14, Editora Record 

E por fim há também o personagem que possivelmente é o mais weird de todos os heróis. Trata-se de Mágico Vento, criado em 1997 por Gianfranco Manfredi e também publicado pela editora Bonelli. Ned Ellis é um soldado norte americano que milagrosamente sobrevive à explosão de um trem e logo em seguida é acolhido por índios que o salvam e ele passa então a viver nos costumes indígenas; descobre um dom premonitório já que passa a ter visões e sonhos que se tornam realidade.

Esse dom é despertado porque Ned ficou com um fragmento metálico da explosão alojado em seu cérebro – mesmo ele sendo um homem branco os indígenas o vêem como um xamã enviado pelos deuses e o chamam então de Mágico Vento. Quase todas as suas aventuras são compostas de elementos sobrenaturais e criaturas folclóricas embora às vezes ele confronte criminosos comuns.  

Divulgação: Mágico Vento, 8 / Editora Mythos 

Weird Western no cinema

O Weird também encontrou algum caminho nas telas do cinema ainda que discretamente e sem muito sucesso. É preciso puxar muito pela memória para lembrar quais filmes de faroeste possuem essa temática sobrenatural ou fantástica e estranha. Um filme lançado em 2015 pela Netflix surpreendeu a crítica bem como o púbico por apresentar uma trama um tanto bizarra para um faroeste.  

O filme Rastro de Maldade (Bone Tomahawk) estrelado por Kurt Russell narra a história de um xerife de uma pequena cidade que repentinamente sofre ataques com mortes brutais de alguns cidadãos e o sequestro de outros. O xerife Franklin Hunt inicia a investigação e rapidamente forma uma equipe de busca para seguir a pista dos sequestradores que habitam uma caverna em um local distante e deserto que guarda um macabro e inesperado segredo.

Dirigido por S. Craig Zahler o filme traz uma trama que seria até normal para histórias em quadrinhos, porém totalmente inesperada para o cinema de faroeste. Sem dúvida um autêntico weird.

Divulgação

Um outro weird com trama bem inesperada e até bizarra para um western é Cowboys e Aliens já que este filme de 2011 traz nada menos que uma invasão alienígena à Terra em plena época do velho oeste. Dirigido por Jon Favreau e adaptado de uma história em quadrinhos a trama ousada assume a missão de retratar a ficção cientifica na época colonial dos EUA ou seja, bem antes de todo o avanço tecnológico do século XX.

Apesar do ótimo elenco com atores de calibre como Daniel Craig, Harrison Ford e Olivia Wilde além do show de efeitos visuais, o filme não agradou o público e fracassou nas bilheterias ao retratar alienígenas que mais parecem monstros bestiais do que seres de grande inteligência. O resultado da obra no todo foi apenas mediano não passando de uma aventura apenas divertida e curiosa.  

Divulgação

Jonah Hex é um violento caçador de recompensas das histórias em quadrinhos criado por John Albano e Tony DeZuniga publicadas pela editora norte americana D.C.  Em 2010 o personagem teve uma adaptação ao cinema num filme dirigido por Jimmy Hayward e estrelado por grande elenco com atores de peso como Josh Brolin e John Malkovich. As Hq´s retratam o típico faroeste que o púbico esta acostumado a ver no cinema.

O filme no entanto reuniu vários elementos de fantasia e horror que pontualmente aparecem em algumas  das histórias do personagem, mas que não são essenciais no universo de Hex. Nesse caso Jonah Hex foi adaptado realmente ao gênero weird de modo que o sobrenatural se torna fundamental na obra que retrata o herói sempre em contanto com o além em sua jornada que infelizmente não atraiu público o suficiente e fracassou nas bilheterias. Só valeu pelas boas intenções.  

Fonte: Google imagens

A obra de Robert E. Howard 

E por fim não se pode terminar este artigo sem falar sobre o mais importante que é a obra de Howard, o criador e idealizador de um fantástico subgênero infelizmente pouco explorado ao longo do tempo, porém nunca será tarde demais para prestigiar sua escrita e sua arte. Embora reconhecido e consagrado com o gênero Espada e Feitiçaria nas histórias de Conan, Bran Mak Mor, Kull e Solomon Kane, o escritor também provou ser muito prolífico ao conceber variados contos de horror que de um modo geral são bem pouco conhecidos.  

Nos poucos contos de Weird Western que escreveu, como bom texano que era ele descreve com precisão os cenários do velho oeste ao retratar em sua narrativa vales rochosos, colinas ou minas abandonadas, lugares inóspitos e sombrios que podem ser habitados por seres não naturais e forças misteriosas muito além do conhecimento humano.

Também retrata com muita propriedade os personagens que habitam o oeste, não apenas cowboys e pistoleiros como também mulheres e personagens indígenas bem como as crenças e o misticismo desses povos primários do continente norte-americano. Magia indígena, espíritos vingativos e criaturas que habitam as sombras são os elementos que compõem seus contos de horror e mistério. 

Capa do livro Weird Western: Horror e Fantasia no Velho Oeste / Foto: Roberto Alves 

Ano passado foi lançado pela primeira vez no Brasil os contos weird de Howard compilados no livro Weird Western: Horror e Fantasia no Velho Oeste, publicado pela editora Clock Tower pelo financiamento coletivo da plataforma Catarse. Leitura indispensável à todos que apreciam ambos os gêneros de horror e faroeste...Ou pra quem pretende conhecê-los.  

Este artigo foi escrito por Roberto Alves e publicado originalmente em Prensa.li.