William Bonner na cadeia?
No momento em que eu esperava abordar nas minhas matérias assuntos do momento na TV brasileira, como a estréia do Faustão na Band, ou ainda a torcida do Silvio Santos para o neto no BBB 22 (sorry, Silas, ficou pra próxima), vem o noticiário político-criminal e dá aquela derrubada na pauta.
Abri a internet e vem nossa realidade surreal dizer que William Bonner poderia ser preso por incitação… opa, como é? Como eu havia acordado há pouco, lavei o rosto de novo, coloquei os óculos e chequei. A história era essa mesma. E que história!
“Teje preso!”
Um advogado do Distrito Federal moveu uma ação solicitando a prisão de Bonner por incentivo à vacinação contra a Covid 19 em crianças. Parecia loucura, mas era verdade. Fui atrás de minhas fontes no Correio Braziliense. As respostas não demoraram pra chegar.
“O poder judicial não pode afagar delírios negacionistas”, alegou a juíza / Imagem: DA Press
A ação foi rejeitada pela juíza Gláucia Falsarella Foley, considerando o pedido descabido. William Bonner reagiu postando uma foto no Twitter, praticamente rindo do ridículo da situação. Ok, loucura debelada, fiquei curiosa em tentar descobrir quem e por que fariam isso.
Com uma pesquisa rápida encontrei o nome de Wilson Koressawa, promotor aposentado no Ministério Público do Distrito Federal. E aí, a história só fica cada vez melhor. Ou não.
Koressawa já foi juiz do Tribunal de Justiça do Amapá. As coisas ficam mais interessantes quando pesquisamos suas ações como advogado. Encontrei uma reportagem do portal Metrópoles, me poupando bastante tempo (e arrancando algumas gargalhadas).
Data Venia, meritíssimo!
O advogado, usando um chapelão à la Valdomiro Santiago, alegou que William Bonner cometeu os crimes de “indução de pessoas ao suicídio, de causar epidemia mediante a propagação de germes patológicos, e de evenenar água potável, substância alimentícia ou medicinal destinada ao consumo”.
Para ele, o jornalista precisaria ser afastado e proibido de incentivar a vacinação obrigatória para crianças e adolescentes e a exigência do passaporte sanitário.
Koressawa e seu bonito chapéu / Imagem: Instagram
Conspiracionista? Você não viu nada. Em março de 2020, o advogado entrou com uma ação popular contra os ministros do Supremo Tribunal Federal. Acusou-os de uma conspiração para destituir o Presidente e o Vice, aproveitando o momento em que a pandemia “põe todos os países em pânico (...) com medidas sorrateiras para tomar o poder”.
Em maio do mesmo ano, o advogado pediu a prisão de quarenta autoridades consideradas como inimigos do presidente, entre eles José Roberto Marinho, presidente do Grupo Globo (novidade…), todos os governadores (exceto Romeu Zema, de Minas Gerais, sabe-se-lá o motivo), o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os presidentes da Câmara e do Senado.
Ainda dizia que os citados conspiravam “contra a Constituição Federal e contra o Poder Executivo, inviabilizando o desenvolvimento do país e causando inúmeras mortes”. Juro que tentei entender a quais inúmeras mortes Koressawa se referiu.
Como ninguém levou a sério, tentou incitar a população pelas redes sociais, para que fossem às casas dos referidos a fim de “prendê-los em flagrante”. Ok, faz parte do jogo, não?
Em outra ocasião, incitou seus seguidores a bloquear os acessos da casa do Governador do Distrito Federal, para que fosse impedido de sair de casa e “se alimentar”.
Fica mais delirante ao encontrar a informação que o advogado, bolsonarista declarado, era filiado ao PSOL.
Brincadeiras sem graça
Piadas à parte, porque realmente não dá pra levar a sério esse sujeito, mais uma vez estamos frente a outro personagem típico dos nossos dias. Negacionista, de perfil autoritário, com arroubos de censura.
Gente que não faz bem ao jogo democrático em qualquer lugar do planeta, um tipo que proliferou de modo assustador nos últimos anos e em quase todo o Ocidente.
A postagem de Bonner ao saber da acusação / Imagem: Twitter
A tentativa pífia de calar William Bonner, e por conseguinte o Jornal Nacional e o Grupo Globo, sonho de muitos políticos e agora, “cidadãos de bem”, pode até soar ridículo. Mas não é.
Nos últimos anos, diversos jornalistas e apresentadores de emissoras alinhadas ao perfil do atual governo, foram afastados ou demitidos, por ordem interna. Quase a oficialização da máxima, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Isso não é bom nem para o jornalismo, nem para uma sociedade plural.
A TV Globo, atacada por simpatizantes de governos passados, agora é rechaçada pelos correligionários do atual governo. Sinal de que pelo menos alguma coisa está fazendo certo na lição de casa do jornalismo.
A Globo não esconde a contraposição à atual administração federal, ou pelo menos se posicionou como a lógica indica. Assim como a TV Jovem Pan News, não escondendo seu alinhamento, arriscando o prestígio de uma marca construída por centenas de profissionais desde os anos 1940, ao protagonizar agora momentos que primam pela incoerência. Mas não nega que tomou partido.
Respira, inspira e segue em frente!
O principal disso tudo: estamos em ano eleitoral, para o bem e para o mal. Toda essa polarização, daqui até o pleito (e se meus temores se confirmarem, até um pouco depois), nos trará momentos bastante difíceis, com tentativas de censura à imprensa e impedimento do exercício do bom jornalismo.
Será um ano complicado, com muito negacionismo e conspirações tresloucadas, fora a pandemia que veio de brinde e até pode arrefecer, mas não sairá facilmente dos nossos radares. E claro, será um ativo eleitoral usado à exaustão.
Boa sorte para nós.
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.