Wordle - a mais nova antiga tendência
Imagem - Alexandra - @alex_tsl - via Unsplash
De tempos em tempos surge um jogo sensação, como se nunca tivesse havido nada do tipo, converge a atenção, todo mundo só fala nisso. E não mais que de repente, como cansei de ver em minha casa, a manchete bombástica de ontem hoje assume menos nobre função, tal qual pano de chão.
Mas, com uma ressalva, o derradeiro destino não se aplica às palavras cruzadas. (Opa, palavra cruzada é um jogo de palavras, depois falaremos dela).
Antes disso, tal como um minuto de silêncio, lembraremos daqueles games que tiveram seus 15 minutos de fama. Basta puxar pela memória. De quais você lembra? Com risco de ser criticado, eu citarei 2048, Among Us, Candy Crush e até Pokemon Go.
Caso você tenha se sentido ofendido por ser fã e continuar na ativa, basta comparar como era a presença deles no auge e no agora. Sem se esquecer de que jogar tais títulos lhe coloca (assim como eu) muito mais em uma posição de uma pessoa fiel aos próprios gostos do que um pro-player (caso haja alguma liga de e-sport assim, me chamem!).
Certamente os jogos de palavra que temos hoje, Wordle e seus similares (Wordus, Letreco, Palavras Conectadas, Typeshift, entre tantos) representam este ciclo de jogos que surgem, prendem a atenção e deixam os holofotes, ainda que não saiam completamente de cena.
Este fenômeno não é uma coincidência de fatores e variáveis, que geram um efeito no qual a multidão simplesmente entra na prática coletiva sem nenhuma razão. Existem uma série de questões para serem consideradas que embasam o fenômeno, respeitando as devidas características do momento e, com isso, permite-se uma adesão espontânea.
Todos esses jogos, sem exceção, são literalmente jogos, respeitando aquilo que faz um jogo ser um jogo e, como consequência, entregam ao usuário uma experiência daquilo que se espera quando se busca este tipo de entretenimento.
Nesse tipo de jogo temos elementos muito claros de criarem o estado ideal de jogabilidade:
as regras são claras de entender, não precisa de manual para perceber quais são as condições de vitória;
as condições de vitória expressam mais de uma forma de interação, achar a palavra, achar a palavra usando a menor quantidade de linhas, expor a vitória nas redes sociais e, também, desafiar outras pessoas.
trata-se de um tipo de interação intuitiva, rapidamente se compreende o que são as marcas amarelas e verdes;
o desafio é motivador e o sucesso traz uma sensação de vitória e alegria;
a derrota não é frustrante, mas sim animadora, e faz com que você queira tentar de novo;
a valorização do ato pela limitação de chances e do tempo eleva o próprio ato de ter uma nova chance como uma recompensa (assim como vencer);
ainda sobre a limitação, cria uma vontade de querer mais, criando uma dosagem do desafio afasta o tédio por uma prática em excesso;
jogos que não tem fim não criam a sensação de continuidade;
a conexão social por meio digital que o jogo permite amplifica as possibilidades de exibir os resultados e desafiar os amigos, diferente das possibilidades analógicas de ativar o círculo social;
a interface simples traz a mensagem de um propósito descompromissado, aquele passatempo que não se leva a sério.
Acredito que tudo isto dito até aqui explica o que vem a ser o fenômeno do jogo Wordle e similares de um ponto de vista do game design. Porém, não termina aqui. Existem outras questões que vão além do game e extrapolam o fenômeno jogado.
Lembra o que eu falei da palavra cruzada?
Pois bem, jogos e palavras são um campo muito vasto, tal como Ludwig Wittgenstein desenvolveu o conceito dos jogos de linguagem. Trata-se de um estudo interessante, que inclusive aproxima a linguagem de jogos de tabuleiros à de esportes em função da estruturação das regras.
Contudo, o fato aqui está relacionado à uma transformação cultural, representando uma circunstância muito maior que um jogo do momento, pois o jornal The New York Times comprou o Wordle por um valor de sete dígitos. Como citado no começo do texto, palavras cruzadas e jornais possuem uma ligação visceral.
O consumo do jornal vem mudando, se adaptando aos novos suportes midiáticos. Nesse contexto o Word.le pode ser considerado uma nova palavra cruzada e, com isso, a adaptação do NYT adequando-se às novas configurações entre a leitura de notícias e a interação que os jogos permitem.
Independente das notícias que são trazidas, o hábito de tentar descobrir palavras leva ao jornal e, também, às notícias. Aliás, de uma forma mais efetiva que a versão analógica, pois a interação com o ambiente, os links para notícias e publicidade. Vamos considerar que a atenção seja um commodity disputado, e o NYT, quando promove o encontro com o game repaginando uma tradição, é muito mais que uma página virtual que permite acessar o game. É uma arena virtual com possibilidades não apenas de jogar, mas também ler notícias.
Este artigo foi escrito por Francisco Tupy e publicado originalmente em Prensa.li.