A pandemia de COVID-19 foi, sem dúvidas, um divisor de águas no campo da tecnologia. Sem poder sair de casa, as pessoas recorreram ao digital para se conectar umas às outras, para trabalhar à distância e até mesmo para manter um contato social, na medida do possível.
Tudo isso acelerou drasticamente um processo que já estava em curso: o avanço da tecnologia. E essa nova realidade mostrou a necessidade de mudanças — especialmente na área da saúde.
Durante esses mais de dois anos, foi surgindo e se desenvolvendo uma nova perspectiva de compartilhamento de dados da saúde.
Afinal, com uma nova doença, toda informação coletada precisava de muita atenção, para que cientistas pudessem entender o comportamento do vírus, seus impactos no corpo humano a curto, médio e longo prazo, e até mesmo para trazer informação para a população em geral.
A tecnologia vem sendo responsável por uma transformação na maneira como as pessoas vivem. E ela tem se sido uma importante aliada na simplificação de processos e inclusão de pessoas nos mais variados assuntos.
Assim, pode-se dizer que essa é sua verdadeira função. A tecnologia só é relevante se servir para mudar efetivamente - e para melhor - a forma como as pessoas vivem.
A recente regulamentação da telessaúde é um exemplo claro disso. Com ela, pacientes e unidades de saúde estão mais próximos do que nunca.
Com isso, houve um aumento expressivo nos registros clínicos nas plataformas destinadas à telemedicina, o que significa uma quantidade maior de dados e, portanto, informações sobre os pacientes, que podem ser refletidas em tratamentos mais eficientes, por exemplo.
O compartilhamento desses dados possibilita melhorias operacionais para instituições de saúde, profissionais da área e, consequentemente, para os pacientes. Mas ele deve ser feito com cautela, ética e extenso planejamento.
A tendência é que essa abordagem cresça ao ponto de popularizar a integração de informações de instituições privadas com o SUS. Hoje, já está no ar a RNDS (Rede Nacional de Dados em Saúde), uma plataforma do governo brasileiro, desenvolvida e disponibilizada pelo Ministério da Saúde, que funciona para conectar sistemas de informação.
A meta é tornar essa uma ferramenta conhecida e utilizada por toda a população brasileira até 2028. Atualmente qualquer pessoa pode solicitar o seu acesso pelo Portal de Serviços do site do Ministério da Saúde.
Com a observação de diferentes organizações de saúde ao redor do mundo, percebe-se que cada local conta com seus próprios desafios e, portanto, soluções. Mas um padrão encontrado até agora é a constatação dos benefícios trazidos com as iniciativas de dados abertos.
E para obter esse sucesso, é preciso lembrar que o ponto inicial é compartilhar esses dados de maneira segura. Os pacientes são os donos desses dados, então eles devem ter o controle sobre essas informações.
Mas a partir de sua autorização, o cruzamento de dados promete facilitar diagnósticos, otimizar tratamentos e principalmente tomar medidas para evitar que problemas de saúde venham a aparecer no futuro. Isso demonstra um grande propósito na transformação digital.
E, se lidar com o corpo humano é extremamente complexo devido às inúmeras possibilidades de diagnósticos, tratamentos e variáveis que mudam completamente de paciente para paciente, lidar com os dados relativos à saúde carrega essa mesma complexidade.
Por isso existe a necessidade de utilizar ferramentas específicas desenvolvidas para suportar esse tipo de dados.
A WSO2 já disponibilizou uma plataforma FHIR (Fast Healthcare Interoperability Resources), orientada por APIs e que permite acesso a dados divididos entre vários sistemas diferentes e traz a possibilidade das instituições criarem seus próprios servidores de APIs para expor dados em saúde.
Para utilizar toda a tecnologia com responsabilidade, cada etapa do processo deve ser minuciosamente elaborada. Além disso, é necessária uma mudança na cultura de toda a comunidade médica.
É preciso abandonar velhas práticas desde o aprendizado nas faculdades, para que os profissionais da área tenham o hábito de consumir todos os dados que estão - e estarão cada vez mais - disponíveis.
Ao obter um número maior de informações, médicos e enfermeiros podem tomar decisões assertivas e, consequentemente, tornar os tratamentos muito mais confortáveis para os pacientes.
E como a inteligência artificial é capaz de analisar grandes volumes de dados, ela se revela como um instrumento muito importante na saúde, e a tendência é que se torne indispensável.
Para armazenar os mais diversos tipos de exames, identificar padrões antes ocultos e efetivamente revolucionar a forma com que se cuida das pessoas, é preciso contar com grandes bancos de dados disponíveis.
O acompanhamento de pacientes que contraíram COVID-19 serve de exemplo para o acompanhamento de outras doenças.
A possibilidade da portabilidade de prontuários dá uma ideia de como a tecnologia pode simplificar as coisas no âmbito da saúde, além, é claro, de gerar economia e trazer mais eficiência para hospitais e laboratórios, que podem ainda estabelecer parcerias muito mais interessantes com farmacêuticas e centros de pesquisa.
Mas apesar de toda essa perspectiva, hoje, esses dados ainda estão fragmentados em cada hospital ou unidade de atendimento, então o objetivo atual é integrar toda essa informação para que ela sirva como base no atendimento a um paciente, seja lá qual for o ponto de atendimento no qual ele for atendido.
Isso cria uma rede de benefícios, já que evita a duplicação de exames e procedimentos, otimiza os processos das instituições de saúde e apresenta dados unificados para os profissionais da área.
Um grande desafio é apresentar essa cultura aos profissionais da linha de frente e convencê-los de que essa estratégia vai melhorar o seu trabalho, afinal, é uma área onde há certa resistência.
Uma boa estratégia para a inserção desse novo padrão é buscar a aplicação certa para cada problema em específico. E, embora seja uma transformação mais lenta, hoje já existem empresas que aplicam essas medidas.
Na África do Sul, há empresas de planos de saúde que convertem os exercícios físicos praticados por seus beneficiários em descontos no convênio. Nos Estados Unidos, existem redes de hospitais que incorporam relatórios diários para auxiliar no monitoramento e percepção de padrões dos pacientes.
Isso mostra que a transformação digital, antes de mais nada, envolve pessoas. A tecnologia pela tecnologia, não vale de nada.
Ainda existe um longo caminho a se percorrer, mas uma boa mediação entre integração e privacidade tem o potencial para quebrar barreiras e levar essa mudança de cultura adiante com foco na ética e bem-estar do paciente.
Afinal, se todos os campos da sociedade vêm sendo cada vez mais impactados pela tecnologia, é de se esperar que a saúde não fique de fora disso.
Este artigo foi escrito por Renan Martorelli e publicado originalmente em Prensa.li.