Adaptando o ágil sem deixar de ser ágil
Muitas mudanças provocam dores no início. É a curva de aprendizado comum à diversas áreas da vida pessoal e profissional.
Em um contexto de processos de trabalho, uma das mudanças que mais tem implicado em dificuldades nas equipes de uma empresa é a transição do modelo tradicional, “Cascata”, para um modelo ágil – qualquer um dentre os vários existentes.
Cada vez mais os novos modelos ágeis são requeridos no mercado, mesmo que já não sejam mais tão novos assim. O Scrum, por exemplo, uma das metodologias ágeis mais adotadas já é praticado de forma difundida desde 1993.
Contudo, com o avanço da necessidade de entregas de maior qualidade no menor tempo possível entre as várias equipes de um projeto, essa e outras metodologias ágeis nunca foram tão desejadas. Ainda assim, elas não são sempre regras imutáveis.
“Não se mexe em time que está ganhando”. Por mais comum que seja essa frase, se ela fosse seguida à risca, não teríamos nenhuma das ótimas inovações que temos hoje, e provavelmente não existiria a internet e nem mesmo o computador para você ler esse artigo.
Sejam em empresas já estabelecidas com os processos tradicionais, lineares e sequencias, ou mesmo em empresas nativas digitais, em que os modelos ágeis costumam ser os primeiros adotados no trabalho, certas mudanças são necessárias para atingir os melhores resultados, e estar aberto a compreender como realizá-las é um dos primeiros passos para a otimização e o sucesso dos projetos.
Existem itens, ritos e cerimônias nas metodologias ágeis como as dailys, weeklys, sprints, sprint review, retrospectivas, e vários outros eventos e artefatos que devem ser gerados e conhecidos para garantir o sucesso dos projetos nos prazos definidos e o engajamento dos times.
Todos esses itens são muito benéficos e praticamente essenciais nos moldes dos processos de trabalho. Entretanto, como tudo no mundo, podem passar por inovações e transformações.
Mais do que “seguir a receita” da metodologia sem qualquer investigação ou alinhamento, após alguns períodos de teste, costume e validação de suas execuções, essas metodologias podem ser adaptadas conforme o time observa que – mesmo com alta produtividade – há certos gargalos e incômodos que podem ser resolvidos com uma melhoria contínua baseada no contexto específico da empresa ou das experiências dos times envolvidos.
Há uma grande polêmica em fazer alterações nessas metodologias tão famosas, pois justamente mudar o que foi cuidadosamente construído ao longo dos anos para as empresas funcionarem tão bem pode fazer com que essa escala caia drasticamente. Quando você pega algo produtivo e pensa em mudá-lo, a depender de como isso for feito, tantas transformações podem tornar esse modelo bom em algo ruim.
A adaptação do modelo ágil para melhor atender às expectativas, padrões e satisfação da empresa e de suas equipes pode e deve ser feita quando necessário independente do ramo de atuação da empresa, mas mesmo com isso, o modelo não pode deixar de ser ágil.
É essa preocupação que tem trazido um conjunto de métodos e práticas cada vez mais desejadas no mercado atual para auxiliar na adaptação dos processos com muito cuidado, visando que seja a mais benéfica e assertiva possível para toda a organização.
A filosofia japonesa Shuhari, muita usada nas artes marciais, tem princípios aplicáveis a esse contexto organizacional e inovador.
O termo vem da junção das siglas que podemos entender como:
- Shu: Obedecer às regras
- Ha: Romper algumas regras
- Ri: Superar as regras
Seguindo essa ordem e vinculando-a com o ciclo de melhoria contínua PDCA (Plan, Do, Check, Act), as empresas podem compreender e seguir os ditos da metodologia – qualquer que seja – e a partir disso, realmente avaliá-la e modelar as eventuais adaptações necessárias.
Shu
Antes de sair “pensando fora da caixa”, primeiro é necessário entender o que há nessa caixa.
Aplicando no dia a dia a metodologia escolhida como em um período de “obediência” a seus padrões, as equipes são capazes de experimentar a mudança que ela traz, se acostumar com os ritos e identificar os reais procedimentos e resultados que eles proporcionam.
Nesse início, são seguidas as práticas de mercado usando a metodologia ágil e realizando, por exemplo, os encontros dos times nas dailys com os prazos definidos, as documentações do backlog do que deve ser feito no projeto, agendando as reuniões de revisão e retrospectiva e tudo o que funciona na “fórmula” do processo ágil.
Ha
Ao validar cada questão que a metodologia acarreta à produtividade e ao engajamento pessoal e profissional dos times, podem ser planejadas e realizadas pequenas mudanças no que for julgado necessário no contexto atual da empresa.
Se as dailys estiverem caindo na mesmice, podem ser feitas mudanças para realizá-las de forma mais espaçada na semana, em vez de literalmente todo dia, ou mesmo de maneira assíncrona durante algumas semanas de teste.
Nesse modelo, cada integrante do time pode escrever as informações que seriam trocadas na daily em um documento online disponível para todos a qualquer momento, em vez de todas as pessoas terem obrigatoriamente que organizar tantas agendas para se reunir em grupo e conversar em um horário do dia tão cheio de outras tarefas.
Se os projetos criativos dependerem de muito empenho e documentação, as reuniões de refinamento podem ter maior intensidade e acontecerem de forma dividida entre ou momentos e pequenas sessões de colaboração antes do dia efetivo da planning com os envolvidos.
Devem ser realizadas mudanças fáceis de implementar e gerenciar, em uma medida minimamente suficiente para testar as novas hipóteses idealizadas pelos envolvidos, se agregam valor e qual valor é esse. Assim, pode-se comprovar se surge mais eficiência e novos benefícios com essas e outras melhorias.
Ri
Após compreender, seguir, se adaptar e dominar com maestria todos os conhecimentos relativos à execução dos processos da metodologia ágil, alcança-se a capacidade nas lideranças dos times para poder começar a criar suas próprias ferramentas, processos e suas metodologias autorais inteiramente novas.
Com isso, transcende-se o que essas empresas utilizam e o que há no mercado externo, podendo até compartilhar os novos métodos com ele.
Tudo deve ser muito bem pensado em como o time atual realmente funciona enquanto segue as metodologias usuais e após a experimentação das alterações propostas na nova forma de aplicar a metodologia para comparar cada impacto nas entregas e na rotina das pessoas envolvidas.
Devem ser listados e analisados quais os pontos positivos, negativos, desejos e incômodos relatados pelos times e por suas lideranças ao longo das primeiras semanas de teste da nova metodologia, visando o melhor fluxo para a empresa e para a colaboração entre todos.
Se aventurar na fuga de padrões conhecidos e na incerteza é o que permite criar inovações e agilizar cada vez mais as melhorias no mercado.
Com isso, startups e até grandes empresas conseguem criar suas próprias metodologias inovadoras, validá-las e compartilhar com os ambientes empresariais, assim como foi o surgimento do próprio Scrum e como fez o Spotify com seu recente fluxo chamado Spotify Framework, e centenas de outras empresas bem-sucedidas.
A realização desse processo de mudança deve ser muito bem gerida e documentada. Longe de qualquer “achismo” do que é ou do que deveria ser, a implementação dos padrões e a mudança deles deve ser feita de forma a mitigar os riscos e focar na melhoria sempre considerando como estava a situação das entregas antes e qual é o objetivo desejado.
Feedbacks das pessoas devem ser colhidos, métricas da execução dos processos e projetos devem ser registradas e analisadas, antes e depois das mudanças, para comparar e corroborar cada efeito de maneira factível, contribuindo para as lideranças com a decisão de seguir ou não com a mudança planejada.
Qualquer tomada de decisão deve se embasar em dados reais e completos, assim como em contextos e em consensos entre todas as pessoas envolvidas e o ritmo das entregas de trabalho.
Afinal, a adaptação da metodologia utilizada pode sim ser necessária e benéfica, mas as mudanças implementadas devem, obrigatoriamente, manter o ritmo ágil funcionando e produtivo para todos, gerando cada vez mais entregas de qualidade no tempo mais otimizado possível, prevenindo e se ajustando aos eventuais erros.
Este artigo foi escrito por Gabriel Tessarini e publicado originalmente em Prensa.li.