☕ Várias maneiras de transformar
Confira a 5ª edição da Pausa Para Um Café — nosso respiro cultural em meio às demandas cotidianas.
Olá! Vamos dar uma Pausa? ☕
Na edição de hoje1:
Onde está a aldeia global? o editor audiovisual Júlio César traz reflexões sobre a comunicação em alta velocidade;
Escrever é terapêutico? a designer Maytê Emilly compartilha os benefícios da escrita terapêutica;
Imagens do Carnaval: o redator Gabriel Florentino conta um pouco da história da maior festa do mundo.
PORTAL PARA ESTA DIMENSÃO
por Júlio César
Imagine uma sociedade que desfruta de uma tecnologia de comunicação de alta velocidade. Mal-entendidos poderiam ser resolvidos com muito mais facilidade e o conhecimento poderia fluir como nunca. Pensou na internet? Refiro-me ao telégrafo.
O telégrafo foi a primeira tecnologia de comunicação rápida em longas distâncias. Foi desenvolvido ao longo dos anos 1830, o primeiro de uma série de inovações na comunicação, e isso mudou o mundo. Em 1858 foi inaugurado o primeiro cabo submarino telegráfico que conectou Estados Unidos e Inglaterra, em plena era vitoriana.
O então presidente dos EUA disse “Este é um triunfo mais glorioso porque é muito mais útil para a humanidade do que o de um conquistador num campo de batalha. Que o cabo transatlântico, sob a bênção do céu, demonstre ser um vínculo de paz e amizade perpétuas entre as nações e um instrumento destinado pela Divina Providência para difundir a religião, a civilização, a liberdade e a lei em todo o mundo.”2
Era a primeira revolução na comunicação depois de milênios de cartas, o entusiasmo era natural. Às vezes, no entanto, somos otimistas demais, acreditamos que cada nova ferramenta trará consigo o progresso e a resolução de problemas ancestrais. O telégrafo jamais foi capaz de assegurar a paz mundial, nem o telefone, nem o rádio e nem a TV. O século XX é prova sanguínea disso.
Nos anos 1960 surgiu a Arpanet, a semente do que se tornaria a internet, uma revolução sem paralelo na comunicação humana. Após décadas de evolução tecnológica e popularização, foi nos anos 90 que vimos a internet se tornar popular. Quem cresceu nessa época foi bombardeado com expressões de otimismo sobre o poder da internet de disseminar o conhecimento e resolver conflitos, estávamos às portas de uma era idílica da aldeia global.
30 anos depois, alguém ainda acredita nessa bobagem? Hoje, defender a aldeia global soa tão bobo como acreditar em Papai Noel. A última década foi bastante cruel com nossas expectativas sobre o poder da internet. A tecnologia não tem culpa, nós é que somos responsáveis pelo uso que damos a ela. Alguns se deleitam estudando e participando de ricos debates, outros espalham fake news e discurso de ódio. No fim, podemos realmente usar a tecnologia para dirimir conflitos. Porém, em outras ocasiões, usamos a tecnologia como meio catalítico.
A tecnologia é apenas um instrumento e, como qualquer ferramenta, pode ser utilizada para o bem ou para o mal. As tecnologias de geração de texto, imagem e vídeo por inteligência artificial deixam essa equação ainda mais complexa. Estamos vivendo a era mais próspera da história humana, como demonstra Steven Pinker em “O Novo Iluminismo”. No entanto, nenhuma conquista é irreversível.
O desafio que se coloca diante de nós é aprender a navegar nesse mundo conectado de forma crítica e responsável. Não é um trabalho fácil nem garantido, por isso mesmo deve ser levado a sério.
ÓCIO CRIATIVO
por Maytê Emilly
Na segunda metade de 2021 me encontrei levemente desesperada por um tema para meu pré-TCC. Foi nessa busca por algo que brilhasse meus olhos que acabei esbarrando em textos sobre escrita terapêutica (ou “escrita expressiva”).
De início, pareceu algo meio óbvio: acho que todo mundo que já escreveu qualquer coisa por vontade própria tem a impressão de que escrever tem realmente efeitos terapêuticos, mas o tópico acabou se tornando algo fascinante pra mim.
Esse modo de escrita é uma ferramenta terapêutica que consiste em permitir que o indivíduo se expresse livremente, tratando de qualquer tema, sem preocupações relacionadas à gramática ou julgamentos externos. Os resultados dos estudos que exploram o tema são surpreendentes visto que, além de melhoras a nível emocional, a prática de escrita terapêutica revelou benefícios a nível físico também.
Foi na década de 80 que o psicólogo social, professor e pesquisador James William Pennebaker liderou um experimento onde os participantes foram orientados a escrever sobre diferentes tópicos, de 15 a 30 minutos num período de 3 a 5 dias consecutivos. No final da experiência foi possível perceber que aqueles que abordaram temáticas emocionais e especialmente experiências traumáticas foram os mais beneficiados, enquanto os partícipes que escreveram sobre tópicos superficiais não demonstraram impacto significativo oriundo do teste.
Esse método ficou conhecido como “O Paradigma da Escrita Terapêutica” e foi replicado e adaptado em diversos estudos buscando entender seu potencial como um aliado na psicoterapia. É impressionante como materializar eventos traumáticos colocando eles no papel revelou impactos significativos no controle da ansiedade, no humor e até na quantidade de idas ao médico motivadas por doenças.
Basicamente, não se sabe com certeza o motivo pelo qual a escrita terapêutica funciona ou como exatamente ela funciona (o que foi uma descoberta triste pra mim, já que acredito que, pra ser designer, você tem que ter pelo menos um pouco de entusiasmo pelo funcionamento da mente humana) mas a teoria mais aceita é que o processo de organização das ideias em um texto coerente e estruturado nos ajuda a assimilar e analisar eventos como uma sucessão lógica de fatos, reduzindo um pouco a carga emocional — afinal, pensamentos correm desordenados, mas textos precisam de início, meio e fim.
Se você quer praticar escrita terapêutica, aqui vão alguns avisos e dicas:
Não existe tempo certo para a prática, mas é recomendado escrever por pelo menos 15 minutos.
Os materiais utilizados na escrita não são muito relevantes, use o que você se sentir mais confortável.
Você não precisa compartilhar o que escreveu com ninguém, pode deletar o arquivo, rasgar o papel ou guardar se quiser. Lembre que esse espaço é livre, escreva o que estiver pensando sem filtrar e sem preocupação com erros.
Escreva em um local seguro e tranquilo, a experiência pode ser bem emocional e muitas vezes antes de sentir alívio e experimentar algum benefício as pessoas se sentem mais tristes do que antes de escrever.
Não se force a escrever sobre algo se você perceber que não está preparado para acessar isso. Você pode falar sobre experiências negativas e positivas, reflita sobre seus limites e não ultrapasse eles.
A escrita expressiva é uma ferramenta para ajudar, mas ela não substitui de maneira alguma a psicoterapia! Um profissional devidamente capacitado faz toda a diferença e é a melhor escolha.
GELEIA GERAL
por Gal Florentino
Neste Carnaval uma das minhas fantasias é a do jornaleiro, figura jovem — que faça chuva ou faça sol — grita as principais manchetes do dia nos portos, praças, avenidas e grandes centros, territórios estes que também foram cenários dos incontáveis foliões de rua.
Fascinado pelo tema — dos Carnavais — comecei pelo verbo e queimei a largada entregando ainda nas prévias. Folião do descanso, fiz do feriado móvel e retroativo uma oportunidade para conhecer melhor a história da maior festa do mundo.
Introduzido no Brasil pelos portugueses, o Carnaval já foi Entrudo, já foi Cordão e também já foi Baile. Entre o Séc. XIX e o Séc. XX, especificamente no ano de 1890, Chiquinha Gonzaga se tornava uma diva pop atemporal com o primeiro hit do carnaval, a marchinha “Ô Abre Alas!” para o cordão Rosas de Ouro.
Pioneira em 1928, a Escola de Samba Deixa Falar inspirou a tradicional competição entre a Mangueira, a Estácio de Sá e a Oswaldo Cruz (que você provavelmente conhece como Portela) no ano seguinte.
Uma das primeiras referências do imaginário coletivo da minha geração de Carnaval é aquela voz grossa anunciando notas na televisão na Quarta-Feira de Cinzas, de alguns é o dobrar dos joelhos segurando um guarda-chuva, de outros é também o confete, a fantasia, a máscara, o jato de espuma ou som do tambor, do repique, do surdo, do trombone e do trompete. De tantos, é a Globeza, a Rainha de Bateria, o Mestre-Sala e a Porta-Bandeira, o Estandarte, o Boneco de Olinda, o Trio Elétrico, o Bate-Bola, o Samba-Enredo e esse-carnaval-não-tem-fim.
Lá em cima eu te disse que queimei a largada do Carnaval, por isso curei o cansaço que começou em frente ao mar do Rio Grande do Norte com uma tarde ensolarada e tranquila na pororoca da Praia da Puruba em Ubatuba, um paraíso que une as águas de Oxum com a imensidão oceânica de Iemanjá.
Levei comigo o “O Corpo Encantado das Ruas”, neste livro, Luiz Antônio Simas reivindica a riqueza dos saberes, práticas, visões de mundo e culturas que não são domados pela visão eurocêntrica e acadêmica da vida, reinventando as gramáticas através da linguagem e da tecnologia dos tambores.
“AS RUAS têm sonoridades. Entreguem um tamborzinho no meio de uma praça para uma criança e ela provavelmente vai batucar. Em diversas culturas os tambores contam histórias, ampliam horizontes da vida e têm gramáticas próprias, que muitas vezes expressam o que a palavra não alcança.” — Luiz Antônio Simas
Em todo Carnaval, o Brasil bate tambores para que a prosperidade nos acompanhe até o ano seguinte. A festa, a folia, a diversão, o feriado, a competição e a fantasia carnavalesca unem o passado, o presente e o futuro de uma nação que tem na cultura a sua maior riqueza transformadora.
A Pausa Para Um Café é uma newsletter quinzenal. Saiba mais sobre o projeto e cada uma das colunas aqui.
Até a próxima Pausa,
Time Prensa
https://www.nationalgeographic.pt/historia/o-cabo-submarino-que-ligou-dois-continentes-em-1858_3368
muito bom texto..obrigado